26/04/13

Construção em territórios periféricos



A nossa contemporaneidade solicita constantemente soluções a nível global e nesse sentido, o papel do arquitecto é permanentemente decisor dos contornos que as nossas cidades enfrentam. O crescimento em altura promoveu uma construção de maior número de unidades habitacionais por metro quadrado, obrigando consequentemente a diminuição do espaço habitacional. O desenvolvimento digital conseguiu devolver ao espaço o seu lugar, tornando-o agora sim habitável. As estantes de livros mutaram-se em bytes, o ter no usufruir, o estar no “poder ir” e o telemóvel na máquina de teletransporte. O habitar evoluiu para uma lógica de espaços reduzidos, no entanto sem diferenças substanciais na organização e dinâmica vivencial interior. Se o apetite pelo centro a isso obrigou, a cultura consumista e a exposição aos meios de comunicação potenciaram novas formas de gestão do programa residencial. Os materiais construtivos, a artificialização de climatização e as redes de informação possibilitaram ao mesmo edifício a sua edificabilidade em qualquer centro urbano planetario, sem alterações construtivas, ordem estética ou orgânica funcional. Perante este cenário de uniformização global do centro urbano, deveremos olhar para a construção em territórios periféricos e despoluídos do ruído cosmopolita com atenção e cuidado. A aplicação de técnicas construtivas locais adaptadas ao conhecimento científico, e estratégias na construção alicerçadas em estéticas contemporâneas, revelam-se cada vez mais interessantes. Perante estas problemáticas é fundamental garantir a sustentabilidade da construção neste contexto em que a ecologia é determinante e decisora. Os custos de impacto ambiental relativos ao sector da construção têm de ser reduzidos e optimizados. Em resposta a esta necessidade a construção terá que procurar materiais e técnicas construtivas produzidas através de processos simples e pouco consumidores de recursos energéticos na utilização de matéria-prima. A construção em terra cada vez mais, nestes contextos territoriais, tende a adquirir um papel importante pela sua abundância enquanto matéria-prima onde a sua utilização carece de processos de transformação dispendiosos em termos energéticos, apresenta um óptimo comportamento térmico é reciclável e reutilizável.  No nosso contexto nacional, o clima seco do Sul do país é extraordinariamente favorável à utilização de técnicas construtivas em terra. As raízes culturais de utilização desta técnica, a possibilidade de criar um desenvolvimento sustentado e o entendimento desta técnica como uma alternativa ambientalmente eficaz, podem ser fundamentais para o ressurgimento de uma nova vaga na construção conseguindo suplantar este ciclo negativo da construção sintética.

22/04/13

Flashes do Monopólio da Mediatização




Entre gerações reconheceram-se lógicas conceptuais, princípios e regras deterministas de estéticas. Foi assim que se definiram correntes e metodologias. Nas ultimas décadas, a chamada escola do Porto esbateu-se no percurso académico e científico do estudo arquitectónico português. As referências existem, mas o bastião da resistência esfumou-se entre as novas tecnologias e velocidade de informação. O academismo aprisionou-se na história e não soube estender a vela ao sabor dos ventos. O advento das novas tecnologias digitais permitiu uma profunda revolução no entendimento da “verdade” da realidade. Em sobreposição ao desenho, a incontinência do disparo digital que proporcionou uma capacidade quantitativa, carregando as imagens com uma superficialidade que responde proporcionalmente aos fenómenos de mediatização tomados por modas e tendências. Os factos antes insofismáveis, que perante o olhar do fotógrafo eram captados para suportes de posterior reprodução, são hoje manipulados através de processos de “limpeza” ocultando ou acrescentando elementos observados. Projectando o fundamental da analise critica da obra construída, “no depois”. A coerência arrefeceu nos flashes de uma vontade descomprometida. No esquecimento reside o papel do mérito fotográfico, onde está recolhido o olhar do fotógrafo. A sua capacidade comunicativa será fundamental para o verdadeiro entendimento da realidade objectivada.

A fotografia de arquitectura sem um enquadramento artístico ou jornalístico permite-lhe navegar em terra de ninguém, conduzindo o fotógrafo à manipulação de uma verdade por nós desconhecida e provavelmente nunca comprovada. A leitura fotográfica acrítica, em negação da imagem propagandista onde o reconhecimento autoral é assumido, não passa de um conceito estético enquanto meta inacessível. O star system da arquitectura não abdica da “conclusão” da sua obra sem o olhar do “autor” fotógrafo, impondo este, uma marca própria, formatando ou ficcionando a obra ao seu jeito. Por outro lado, essa mesma personalização tenderá, perversamente, a homogeneizar também o modo como vemos o “estilo” das diferentes arquitecturas. Actualmente, a vontade de ser reconhecido entre muitos, faz da encomenda da reportagem fotográfica como o mais eficaz veiculo de difusão cultural e massificação mediática entre profissionais, estudantes e demais interessados no tema. Entre arquitectos, a qualidade final da obra é esbatida no “traço” do disparo do fotógrafo. O papel e influência que alguns fotógrafos desenham entre editores e revistas da especialidade delimitam um star system em que a qualidade da obra provavelmente não corresponde aos pergaminhos que o enquadramento fotográfico e editorial potenciam. Perante nefasta realidade, o monopólio da mediatização tem de ser interpretado e clarificado no escrutínio da qualidade. A dúvida subsiste!

05/04/13

Trude: o tecido urbano na etnologia da solidão


 Fotografia de Tuca Vieira, São Pitersburgo 2006.


“Se ao tocar terra em Trude não tivesse lido o nome da cidade escrito em grandes letras, pensaria que havia chegado ao mesmo aeroporto donde partira. Os subúrbios que me fizeram atravessar não eram diferentes dos outros, com as mesmas casas amareladas e esverdeadas.” [1]

O território urbano por nós entendido de qualificado vive desde os finais do século passado um permanente processo de homogeneização nas suas capacidades de conforto habitacional, qualidades estilísticas e conceptuais. Apesar de devolver diferenças organizacionais devido a processos com base em especulação imobiliária e conquista de territórios, as vivências internas revelam processos cada vez mais intensos de uniformidade. Os materiais construtivos, artificialização de climatização e redes de informação possibilitaram ao mesmo edifício a sua edificabilidade em qualquer lugar, sem alterações construtivas, estéticas e funcionais. A casa, qualquer feitio que ela tome, pode ser concebida como um aparelho para morar ou como um monumento a ser apreciado de fora. No entanto, para quem habita e enquanto a habita, a casa não é utensílio, tal como os demais entes. A casa tem, como o próprio mundo, uma natureza pré-objectal, ela é concebida como uma parte do mundo, mas exactamente aquela parte em que nos podemos sentir relativamente abrigados.
O habitar contemporâneo evoluiu para uma lógica de espaços reduzidos, no entanto sem diferenças substanciais na organização e dinâmica vivencial interior. Se o apetite pelo centro a isso obrigou, a cultura consumista e a exposição aos meios de comunicação potenciam novas formas de gestão do programa residencial. Os visionários do movimento moderno encontram na nossa contemporaneidade os erros das suas certezas. Partindo de um ponto crucial, a família ideal que nos anos 20 do séc. XX tanto nos fizeram crer, já não existe! As necessidades standard diluiram-se pelas diversas estruturas familiares, grupos sociais e exigências profissionais. Pensar a cidade como cultura não supõe um relato épico, uma narração do acto fundador, um inventário das tradições ou até mesmo uma catalogação dos costumes. É precisamente a renúncia na procura de linguagens comuns, costumes e identidades à maneira do etnógrafo
Neste processo considera-se que a cultura urbana assim como a cidadania definem o ethos da nossa modernidade. Opção de vida concretizada em projectos reconhecidamente construídos sobre um tecido cultural complexo e interligado. Se o movimento é constante, as redes de transportes são aglutinadoras do tempo e movimento físico. O movimento adquiriu nas ultimas décadas a virtualidade. A cidade física vive de layers que talvez ainda não compreenda. Debate-se com a definição dos limites físicos onde procura encontrar um sistema diferencial que possa determinar os limites entre o urbano e a envolvente, enfrenta uma nova e determinante realidade o movimento aliado aos meios de comunicação.
A arquitectura e o urbanismo não devem pedir na nossa contemporaneidade soluções a níveis globais - questionando soluções locais - não deixa de ser pertinente realçar o papel que o arquitecto tem perante os contornos que as nossas cidades enfrentam no seu sentido cada vez mais macro e metropolitano, como também na definição das respostas  perante o desenvolvimento urbano. O arquitecto não conhece o novo habitante e procura através da inovação formal respostas a problemáticas de cariz funcional e programático. Erradamente ignora as necessidades do homem urbano, oferecendo estratégias desadequadas ao modus vivendi citadino. No entendimento de Bachelard, “a casa é um corpo de imagens que dão ao homem razões ou ilusões de estabilidade”  [2], talvez aqui se resumam as questões centrais das habitações nos centros das cidades. O crescimento em altura promoveu a construção de maior numero de unidades habitacionais por metro quadrado, obrigando consequentemente a sua diminuição espacial interior. Se nas últimas décadas vivemos eras de consumismo, onde o culto do objecto gerou seres recolectores, uma “consumer culture has placed a high value on produt variety” [3] e ”une architecture ignoirante de ses moyens spécifiques, cache sa misère en se vendant á l'índustrie, en s'ídentifiant la l'object et, adorant le veau d'or automobile, fuit la responsabilité de la prévision de son futur en devenant mobile”[4], o desenvolvimento digital conseguiu devolver ao espaço o seu lugar e tornou-o agora sim habitável. As bibliotecas mutaram-se em bytes, o ter no usufruir, o estar no “poder ir” e o telefone na máquina de tele-transporte. A cama, a web e um recipiente de lixo serão os objectos fundamentais da casa do futuro na óptica de Toyo Ito[5], apesar desta perspectiva intimista Eisaku Ushida entende por outro lado que a era digital inverteu a lógica do eixo interior/exterior, definindo que a casa is “now found scattered around the city, and communication now takes place not only in a physical place but also in electronic space.” [6] Talvez este carácter de nómada urbano de Toyo Ito, de uma vida dispersa pelos diferentes eixos da cidade, onde os ginásios e piscinas substituem a casa de banho, o fast-food pela cozinha, os cybercafés a sala de estar e os parques as varandas e terraços, dinâmica que gera espaços “privados” cada vez mais fragmentados e diluídos pelo aglomerado urbano a que chamamos cidade. Futuro que Augé profetiza: “haverá então lugar, no futuro, há talvez já lugar hoje, apesar da contradição aparente dos termos, para uma etnologia da solidão.”[7]
 “Porquê vir a Trude?, interrogava-me. E já queria partir. - Podes apanhar o avião quando quiseres – disseram-me, - mas vais chegar a outra Trude, igual ponto por ponto, o mundo está coberto por uma única Trude que não começa nem acaba. Só muda o nome do aeroporto.” [8]



[1] Calvino, Italo, As Cidades Invisíveis, Editorial Teorema, 2ª edição, 1996, pag 131
[2]  Bachelard, Gaston A poética do Espaço,Martins Fontes, são Pulo, 1989, pag 36
[3] Thomas, Ann, No Man´s Land, Thames &Hudson,2001,pag 20
[4] Parent, Claud, Architecture Principe 66,Les Éditions de Límprimeur,1996,pag 80
[5] Ito ,Toyo, Forum Internacional, mutações, habitações e fluxos, Barcelona 96
[6] Ushida, Eisaku, Forum Internacional, mutações, habitações e fluxos, Barcelona 96
[7] Augé, Marc, Não Lugares, Bertrand Editora, 2ªedição,1998, pag 125
[8] Calvino, Italo, As Cidades Invisíveis, Editorial Teorema, 2ª edição, 1996, pag 131