18/08/15

José Pires Branco, um beirão moderno


Em 1948, o primeiro Congresso Nacional de Arquitectura revela primeira vez, uma leitura mais estratificada do pensamento arquitectónico português em relação às propostas do Movimento Moderno. Percebe-se através das atas, uma aceitação da proposta e algumas interpretações reveladores de conhecimento de causa. Duas décadas, onde Carlos Ramos e Keil do Amaral eram duas faces da moeda. Por um lado a força do
academismo clássico das belas artes enraizado em cânones estéticos, e por outro, um sangue novo vanguardista e muito critico à posição actual com uma actuação virada para uma arquitectura de leitura moderada das mais arrojadas vanguardas.
José Pires Branco com formação nas Belas Artes do Porto no decorrer da década de 40, partilha os estiradores com uma geração que vivia esta transição de pensamento. Dos demais, destacam-se os nomes de Agostinho Ricca, Fernando Távora, José Carlos Loureiro ou Rogério de Azevedo. Após a sua formação, parte para Lisboa acabando por sediar o seu ateliê na vila do Fundão em conjunto com arquitectos da sua geração. Perante um panorama difícil economicamente com consequente escassez de encomenda, a escolha do Fundão acabou por ser feliz, na medida em que Pires Branco conseguiu encetar um sem número de obras construídas na região, aliando paralelamente actividade no ensino, cinema, televisão (RTP), desenho, gravura e cargos na administração central. No levantamento do seu espólio, no arco de tempo entre a década de 50 e 80 do séc. XX é possível contabilizar 40 habitações unifamiliares, 9 igrejas, 8 planos de arranjos exteriores, 30 planos de urbanização e cerca de 50 projectos/planos dos mais diversos edifícios de complexidade variada.
Se a sua arquitectura bebia de uma linhagem moderna tropical brasileira, o uso combinado do betão das estruturas entrecruzado com paramentos de granito rebocados no seu interior, produziu uma tectónicidade construída. Estes processos construídos permitiram verdadeiras aproximações ao passado numa procura das raízes vernaculares que a arquitectura popular tradicionalmente produziu. É neste sentido moderado que Pires Branco assume a “linhagem” de pensamento de Keil do Amaral, onde a “enclausura” do interior do país lhe permitiu definir o seu percurso com maior discernimento e sensibilidade pela envolvente construída. 
José Pires Branco afigura-se como uma das figuras mais importantes e interessantes no panorama da arquitectura moderna da região centro interior do país. Com um portfólio inigualável em quantidade e qualidade, a sua capacidade inventiva permitiu desenvolver uma obra ecléctica na produção da escala e versátil nas respostas aos desafios programáticos dos seus clientes. A sua singularidade é manifestamente representativa da sua importância numa geografia que no seu tempo fora despida de profissionais de arquitectura. Hoje a sua obra é estudada e analisada por permitir desvendar os mistérios do "modernismo" e as transições do vernáculo na construção menos erudita da Beira Interior. Os movimentos em torno da sua obra, que hoje possibilitam o desenvolvimento de processos de classificação de algumas das suas obras, permitem com segurança definir José Pires Branco como uma das figurais mais importantes da chamada "geração moderna portuguesa".

03/03/15

na Ordem ou em estado de sítio


A Ordem dos Arquitectos tem desenvolvido um interessante trabalho na defesa intransigente dos direitos dos arquitectos, num sentido único, a defesa da prática exclusiva da arquitectura por indivíduos com formação em arquitectura. Face à eminência de o Estado Português concretizar o monstruoso e intolerável retrocesso de alterar a Lei 31/2009 de implicações constitucionais, a “classe” insurge-se a uma só voz na defesa dos seus direitos. Esta batalha revela enquadramento constitucional sob dois desígnios (artigo 66.º, n.º 2, alínea b e d), nomeadamente o de ordenar e promover a valorização da paisagem”, assim como o de “promover (…) a qualidade ambiental das povoações e da vida urbana, designadamente no plano arquitectónico”. A perspectiva, cada vez menos virtual, de que os actos próprios da profissão voltarão (!), novamente a ser praticados por profissionais sem as necessárias qualificações para o exercício da arquitectura, levará consequentemente, no futuro, ao incumprimento de directivas europeias por parte do Estado Português. Na correspondente directiva n.º 2005/36/CE de 7 de Setembro do Parlamento Europeu, é exigido sem reservas de que os actos próprios da arquitectura deverão ser exclusivos dos arquitectos, contudo o nevoeiro é intenso por terras de Camões. Percebe-se que não é uma questão de visibilidade que produz este retrocesso, mas de uma lógica economicista desprovida dos princípios que regem o nosso bem comum.  A Lei n.º 31/2009 que revogou o famigerado Decreto 73/73  e que consagrou como actos próprios do arquitecto a coordenação de projecto e a direcção e fiscalização de obra e os actos próprios exclusivos, a elaboração e subscrição de projectos de arquitectura, após o período transitório é difícil de entender esta opção do Estado Português. Numa altura em que a profissão passa por um dos momentos mais complicados da sua história, com reflexos na encomenda privada, na inexistência de concursos públicos, com um elevado desemprego ao nível dos mais jovens e não menos importante a emigração constante, permite-nos concluir que os tempos não estão para danças. Perante a desgraça das últimas décadas, hoje é perceptível o constante exercício por parte dos municípios, de remendar tecidos e camuflar desgraças urbanísticas assim como o de preservar e valorizar o património arquitectónico edificado na primeira fase do séc.XX. Não é por acaso que as ultimas décadas pós 25 de Abril foram extraordinariamente aceleradas, o que permitiu que o 73/73 cilindrasse o país numa irrecuperável descaracterização. Perante o abismo, caros arquitectos, apelo aos sinos a rebate pois a procissão já não vai no adro!