21/11/16

Gentrificar o Sucesso

Portugal possui um parque habitacional na ordem dos dois milhões de habitações a necessitar de serem reabilitadas, sendo este desafio algo muito interessante a superar. Em 2012, a realização de alterações ao regime jurídico da reabilitação urbana, foi sem dúvida um passo decisivo na consolidação das politicas de ordenamento urbano, nomeadamente nas definições das estratégias de consolidação das vivências dos centros urbanos e na sustentabilidade dos “bairros vividos”. Mais tarde, em 2014, através do Decreto-Lei nº 53/2014, o Estado consolidou esta estratégia, não só na definição de um regime excepcional e temporário que visou a dispensa nas obras de reabilitação urbana, como na sujeição a determinadas normas técnicas aplicáveis à construção. Medida que permitiu e ainda permite o desenvolvimento de projectos imobiliários em contextos difíceis que anteriormente apresentariam significativos entraves, no enquadramento do quadro legislativo em vigor.

Todo este esforço na reabilitação do parque habitacional, tem como objectivos principais a dinamização da reabilitação, em todas as áreas consolidadas, garantindo-se a sua execução para as populações e para as habitações já existentes e não apenas para nichos de mercado. O legislador sempre procurou acompanhar a evolução dos processos de ordenamento do território, nas alterações realizadas no regime jurídico ou na lei de bases da política dos solos, contudo não soube, atempadamente legislar, sobre os fenómenos turísticos, com que os centros urbanos de Lisboa e Porto agora se deparam. Na verdade, o que constatamos actualmente não se aproxima das perspectivas que consubstanciaram as alterações ao regime jurídico. Apesar dos esforços em reabilitar estas áreas desestruturadas com população envelhecidas e carenciadas de novos habitantes, as mesmas sofrem hoje do “factor airbnb”. As novas lógicas de alojamento local reorganizadas por dinâmicas em suporte digital permitiram a democratização para os particulares do negocio “quarto/chambre/room”. A ocupação destas áreas históricas por turistas através de arrendamentos temporários e de curta duração permite gerar uma rentabilidade muito interessante e substancialmente superior aos arrendamentos tradicionais de longa duração. Face ao exposto não é de admirar que o centro histórico do Porto tenha perdido, nos tempos mais recentes, cerca de 35% da sua população residente. A gentrificação destes territórios, culturalmente caracterizados por profundo bairrismo e dinâmicas de interligação familiar, ocorre silenciosamente, com o poder político cego pelos benefícios económicos que o turismo lhe oferece. As estratégias de reabilitação só fazem sentido se sustentadas sobre dinâmicas de equilíbrio entre agentes culturais, turísticos e habitacionais. O reconhecimento das vantagens e o reduzido controle sobre este tipo de negócio, provocou uma natural especulação sobre o mercado de arrendamento nestas zonas, impossibilitando o acesso às gerações mais jovens de habitarem estas zonas.  Será pertinente e urgente, legislação que controle e licencie este tipo de alojamento e que crie equilíbrios nas densidades ocupadas, conseguindo consequentemente o travamento da duplicação anual deste tipo de alojamento, como ocorre actualmente na cidade de Lisboa.Taxar o turismo não é solução é oportunismo!

19/04/16

Duas casas modernas de puro vernacular


A Serra da Estrela sempre foi um território de impossível indiferença e com lógicas e tradições ancestrais. A transumância e as lides das gentes do frio constituíram-se enquanto fonte de construção de estórias e tradições com raízes antigas. O incontornável granito da serra ao ser domado pelo gelo foi a base da construção de “choças” e abrigos de pastores, edificados em frentes recolhidas de montanha com construção de granito e madeira. É com base nestas construções de pastores que as duas casas da Serra da Estrela, desenhadas por Luiz Alçada Baptista na década de 60 do séc. XX demonstram um profundo sentido vernacular, sustentando no carácter o desenho em modelos modernos europeístas, tornando-se num dos mais extraordinários exemplos do modernismo português. As habitações estão carregadas de história relativa à sua família e ao seu incontornável papel no decorrer da vida cultural contemporânea portuguesa onde revelam um legado de valor imaterial de enorme importância. Cumulativamente, as duas casas são também “acompanhadas” por um fabuloso sistema hidráulico centenário de recolha, controlo e transporte das águas por levadas, ajustando todo o empreendimento à singularidade da sua natureza. Perante um enquadramento serrano entre montanhas e uma posição estratégica no território, as casas permitem enunciar um desenho de paisagem equilibrado com uma presença “camuflada” entre árvores, levadas e afloramentos rochosos. Um implantação cuidada, de um desenho generoso na negociação entre a presença do “intruso” e a força da paisagem, revelando o verdadeiro genius loci que o vernacular habilmente nos deixou. Uma resposta inteligente de um desenho arquitectónico complexo, sobre dois hexágonos entre-cruzados e simultaneamente desmaterializados na forma. Uma organização espacial onde se enuncia Frank Lloyd Wright ou Coderch. A casa principal articula dois pisos em 4 níveis de cota diferenciados, açaimando a paisagem no seu interior através de pequenos vãos cirurgicamente ajustados nos paramentos exteriores. Perante a complexidade descrita é desconcertante a fluidez do desenvolvimento e sequência dos espaços, ou na conseguida hierarquização da tipologia nos dois eixos da organização (vertical e horizontal). Se a paisagem e a organização espacial foram detalhadamente trabalhadas, a matéria não foi esquecida. O granito exterior reforça uma expressão solida de dureza serrana contrastando com o minimalismo fragmentado interior através do betão e do enquadramento dos afloramentos rochosos no seu interior. A negação do ângulo recto permitiu a formulação de um contexto habitacional dinâmico mas pejado de artifícios. O mais interessante na corrente “modernista beirã” das construções das décadas de 50 e 60, é denotarem profundas influências com tropicalismos e europeísmos modernos, fundindo-os com leituras baseadas no lugar e na tectónica tradicional. Nas palavras de Kenneth Frampton o pós-modernismo português inconscientemente, (por esta altura e em particular na zona centro de Portugal), constituiu-se no “Regionalismo Critico” acabando mais tarde por Siza Viera ser o seu maior percursor. As duas casas da Serra da Estrela são sem dúvida um caso singular de extraordinária qualidade que merece reconhecimento e nota num território do interior centro do país, onde em outros tempos, a sua qualidade arquitectónica foi força suficiente para que outros não as conseguissem afundar!

05/01/16

Utopias



Perante a estruturação de uma série de premissas num objecto arquitectónico, com base no desafio da corrida contra o tempo, as novas tecnologias viabilizaram a capacidade de resposta assim como a qualidade das mesmas. As novas tecnologias associadas à computação e ao desenho assistido por computador, são hoje uma natureza insofismável. Permitem a desenvoltura do pensamento arquitectónico sobre ferramentas, antes desconhecidas, de estruturação das lógicas de espaço/tempo. A capacidade de execução rápida na construção das realidades pensadas, aliada ao acesso de informação na Internet é hoje matéria de estudo relativamente às consequências que provocam na definição das linguagens globalizantes, nas realidades regionalistas e sobretudo no pensamento arquitectónico contemporâneo. A arquitectura globalizou-se no eixo da informação e degenerou na concepção da sua natureza, hoje as respostas aos desafios actuais são cada vez mais efémeras, portáteis e sem perenidade, talvez por isso, os concursos de ideias nunca fizeram tanto sentido. É nestas dinâmicas de desafio/resposta que poderemos reposicionar o enquadramento social, político e económico da arquitectura perante a nossa sociedade.

A sociedade do espectáculo mutuou-se numa realidade virtual onde o “star system” se descentralizou e adquiriu novos protagonistas. Os papéis foram trocados e agora quem dá as cartas são “ateliês de algibeira” ou de “vão de escada”. A democratização dos papéis dos principais actores estabeleceu-se na corrente das novas tecnologias de informação, permitindo dar voz a qualquer um sem constrangimentos económicos ou sociais. É nestes processos de reorganização do cenário mediático em torno da arquitectura, que  encontramos a importância dos concursos de ideias para quem começa a carreira ou procura encontrar espaço e tempo para reflexões extra contexto de trabalho. Os concursos de ideias sempre existiram e os desafios por si determinados originaram, em alguns dos casos, situações em que as respostas menos consideradas foram as que perpetuaram no tempo. Facto que espraia a importância da decisão e que determina a incoerência que por vezes reina em quem julga. Não obstante, a experiência de nos propormos a considerar uma utopia sobre uma série de premissas para um determinado local, por si só, já mereceu a pena! 

04/01/16

as ideias, as melhores ideias!

Sempre assim foi e talvez, sempre assim será, o universo das artes construiu em torno de si narrativas complexas que desmaterializam o contexto ao seu redor e aí, a arquitectura sempre foi entendida enquanto uma arte completa, assumindo desde sempre um papel fundamental nas reflexões sobre condição humana. Um incontornável barómetro da nossa contemporaneidade e reflexo do desenvolvimento tecnológico no domínio do construir. A sua complexidade sempre indissociável da capacidade criativa de quem desenha e da disponibilidade financeira da encomenda, trilhou caminhos sempre próximos das outras artes, revelando mesmo assim, níveis semelhantes de coerência. O espaço de reflexão contido na arquitectura e gerador de uma estrutura de pensamento dissociado da sua realidade, apesar das retóricas dominantes, sempre convergiu numa análise realista sem perspectivar com segurança o futuro. Se na palavra escrita os caminhos nunca foram traçados sobre “rama verde”, já no campo da “palavra desenhada” os sonhos sempre fluíram na ponta da caneta.

A “não encomenda” sem as normais contingências financeiras, programáticas ou até mesmo estilísticas permitiram ao arquitecto dar passos largos sobre caminhos nunca trilhados. Nesta plataforma do operar em projecto, os concursos de ideias são sem sombra de dúvida o sistema que melhor permitiu o desenvolvimento das repostas mais musculadas no eixo das coordenadas da utopia. Possibilitaram uma liberdade segura mas descomprometida sobre os desafios propostos, gerando soluções que em outro contexto seriam uma impossibilidade.

Perante a estruturação de uma série de premissas num objecto arquitectónico com base no desafio da corrida contra o tempo, as novas tecnologias viabilizam a capacidade de resposta assim como a qualidade das mesmas. As novas tecnologias associadas à computação e ao desenho assistido por computador, são hoje uma natureza insofismável. Permitem a desenvoltura do pensamento arquitectónico sobre ferramentas, antes desconhecidas, de estruturação das lógicas de espaço/tempo. A capacidade de execução rápida na construção das realidades pensadas, aliada ao acesso de informação na internet é hoje matéria de estudo relativamente às consequências que provocam na definição das linguagens globalizantes, nas realidades regionalistas e sobretudo no pensamento arquitectónico contemporâneo. A arquitectura globalizou-se no eixo da informação e degenerou na concepção da sua natureza, hoje as respostas aos desafios actuais são cada vez mais efémeras, portáteis e sem perenidade, talvez por isso, os concursos de ideias nunca fizeram tanto sentido. É nestas dinâmicas de desafio/resposta que poderemos reposicionar o enquadramento social, político e económico da arquitectura perante a nossa sociedade.

A sociedade do espectáculo mutou-se numa realidade virtual onde o “star system” se descentralizou e adquiriu novos protagonistas. Os papéis foram trocados e agora quem dá as cartas são “ateliês de algibeira” ou de “vão de escada”. A democratização dos papéis dos principais actores estabeleceu-se na corrente das novas tecnologias de informação, permitindo dar voz a qualquer um sem constrangimentos económicos ou sociais. É nestes processos de reorganização do cenário mediático em torno da arquitectura,
 que  encontramos a importância dos concursos de ideias para quem começa a carreira ou procura encontrar espaço e tempo para reflecções extra contexto de trabalho. Os concursos de ideias sempre existiram e os desafios por si determinados originaram, em alguns dos casos, situações em que as respostas menos consideradas foram as que perpetuaram no tempo. Facto que espraia a importância da decisão e que determina a incoerência que por vezes reina em quem julga. Não obstante, a experiência de nos propormos a considerar um edifício sobre uma série de premissas para um determinado local, por si só, já mereceu a pena!

As causas sociais e a urgência na resposta às exigências que as mesmas actualmente determinam, são um recurso óbvio e constante para a elaboração de enunciados de concursos de ideias. A natureza das problemáticas socias é motivadora e complexa, sendo consequentemente atractiva para os desafiados. A ideia de resolver o mundo num só gesto é utópico mas aliciante e é ai que incidem as actuais apostas de enunciados de concursos, com convites para encontrar soluções provisórias ou perenes em resposta a acontecimentos naturais ou consequências sociais. O modelo está encontrado e a lógica de resposta num tempo determinado também.


A Ideias Forward enquanto plataforma internacional de concursos de ideias faz jus à estratégia “standard” antes referida, contudo revela-se no quadro das plataformas de concursos enquanto um motor inusitado e profundamente desafiante. A sua substância reside em premissas temporais, talvez se baseie no maior desafio da nossa contemporaneidade, o tempo! A intemporalidade, a perenidade, as memorias, a continuidade, a permanência, a casualidade ou a história são os ingredientes para as provocações propostas. O tempo é condutor e raiz, sobretudo quando os desafios se realizam no decorrer de um dia (24 horas). As diferenças entre o tempo real, o tempo vivido e as representações do tempo são as dificuldades que o homem da ciência e o homem comum se deparam no lidar da sua existência. A aposta em desafios “curta-metragem” proporciona à Ideias Forward a possibilidade de interpretar o “continuum” da história e a sua representação fragmentada em utopias delimitadas num curto “espaço de tempo”. O tempo foge e as representações das ideias ficam para a posteridade. Nos concursos de arquitectura, quase sempre, o que prevalece são as ideias, as melhores ideias! Parabéns Ideias Forward!

(texto na página 122 da arq.a nº 121)