Fotografia de Tuca Vieira, São Pitersburgo 2006.
“Se ao tocar terra em Trude não tivesse lido o
nome da cidade escrito em grandes letras, pensaria que havia chegado ao mesmo
aeroporto donde partira. Os subúrbios que me fizeram atravessar não eram
diferentes dos outros, com as mesmas casas amareladas e esverdeadas.” [1]
O
território urbano por nós entendido de qualificado vive desde os finais do
século passado um permanente processo de homogeneização nas suas capacidades de
conforto habitacional, qualidades estilísticas e conceptuais. Apesar de devolver
diferenças organizacionais devido a processos com base em especulação
imobiliária e conquista de territórios, as vivências internas revelam processos
cada vez mais intensos de uniformidade. Os materiais construtivos,
artificialização de climatização e redes de informação possibilitaram ao mesmo
edifício a sua edificabilidade em qualquer lugar, sem alterações construtivas,
estéticas e funcionais. A casa, qualquer feitio que ela tome, pode ser
concebida como um aparelho para morar ou como um monumento a ser apreciado de
fora. No entanto, para quem habita e enquanto a habita, a casa não é utensílio,
tal como os demais entes. A casa tem, como o próprio mundo, uma natureza
pré-objectal, ela é concebida como uma parte do mundo, mas exactamente aquela
parte em que nos podemos sentir relativamente abrigados.
O
habitar contemporâneo evoluiu para uma lógica de espaços reduzidos, no entanto
sem diferenças substanciais na organização e dinâmica vivencial interior. Se o
apetite pelo centro a isso obrigou, a cultura consumista e a exposição aos
meios de comunicação potenciam novas formas de gestão do programa residencial.
Os visionários do movimento moderno encontram na nossa contemporaneidade os
erros das suas certezas. Partindo de um ponto crucial, a família ideal que nos
anos 20 do séc. XX tanto nos fizeram crer, já não existe! As necessidades
standard diluiram-se pelas diversas estruturas familiares, grupos sociais e
exigências profissionais. Pensar a cidade como cultura não supõe um relato
épico, uma narração do acto fundador, um inventário das tradições ou até mesmo
uma catalogação dos costumes. É precisamente a renúncia na procura de
linguagens comuns, costumes e identidades à maneira do etnógrafo
Neste
processo considera-se que a cultura urbana assim como a cidadania definem o ethos da nossa modernidade. Opção de
vida concretizada em projectos reconhecidamente construídos sobre um tecido
cultural complexo e interligado. Se o movimento é constante, as redes de
transportes são aglutinadoras do tempo e movimento físico. O movimento adquiriu
nas ultimas décadas a virtualidade. A cidade física vive de layers que talvez
ainda não compreenda. Debate-se com a definição dos limites físicos onde
procura encontrar um sistema diferencial que possa determinar os limites entre
o urbano e a envolvente, enfrenta uma nova e determinante realidade o movimento
aliado aos meios de comunicação.
A
arquitectura e o urbanismo não devem pedir na nossa contemporaneidade soluções
a níveis globais - questionando soluções locais - não deixa de ser pertinente
realçar o papel que o arquitecto tem perante os contornos que as nossas cidades
enfrentam no seu sentido cada vez mais macro e metropolitano, como também na
definição das respostas perante o
desenvolvimento urbano. O arquitecto não conhece o novo habitante e procura
através da inovação formal respostas a problemáticas de cariz funcional e
programático. Erradamente ignora as necessidades do homem urbano, oferecendo
estratégias desadequadas ao modus vivendi
citadino. No entendimento de Bachelard, “a
casa é um corpo de imagens que dão ao homem razões ou ilusões de estabilidade” [2],
talvez aqui se resumam as questões centrais das habitações nos centros das
cidades. O crescimento em altura promoveu a construção de maior numero de
unidades habitacionais por metro quadrado, obrigando consequentemente a sua
diminuição espacial interior. Se nas últimas décadas vivemos eras de
consumismo, onde o culto do objecto gerou seres recolectores, uma “consumer culture has placed a high value on
produt variety” [3] e ”une architecture ignoirante de ses moyens
spécifiques, cache sa misère en se vendant á l'índustrie, en s'ídentifiant la
l'object et, adorant le veau d'or automobile, fuit la responsabilité de la
prévision de son futur en devenant mobile”[4],
o desenvolvimento digital conseguiu devolver ao espaço o seu lugar e tornou-o
agora sim habitável. As bibliotecas mutaram-se em bytes, o ter no usufruir, o estar no “poder ir” e o telefone na máquina
de tele-transporte. A cama, a web e um recipiente de lixo serão os objectos
fundamentais da casa do futuro na óptica de Toyo Ito[5],
apesar desta perspectiva intimista Eisaku Ushida entende por outro lado que a
era digital inverteu a lógica do eixo interior/exterior, definindo que a casa
is “now found scattered around the city,
and communication now takes place not only in a physical place but also in
electronic space.” [6]
Talvez este carácter de nómada urbano de Toyo Ito, de uma vida dispersa pelos
diferentes eixos da cidade, onde os ginásios e piscinas substituem a casa de banho,
o fast-food pela cozinha, os cybercafés a sala de estar e os parques as
varandas e terraços, dinâmica que gera espaços “privados” cada vez mais
fragmentados e diluídos pelo aglomerado urbano a que chamamos cidade. Futuro
que Augé profetiza: “haverá então lugar,
no futuro, há talvez já lugar hoje, apesar da contradição aparente dos termos,
para uma etnologia da solidão.”[7]
“Porquê vir a
Trude?, interrogava-me. E já queria partir. - Podes apanhar o avião quando
quiseres – disseram-me, - mas vais chegar a outra Trude, igual ponto por ponto,
o mundo está coberto por uma única Trude que não começa nem acaba. Só muda o
nome do aeroporto.” [8]
[1]
Calvino,
Italo, As Cidades Invisíveis, Editorial Teorema, 2ª edição, 1996, pag 131
[2]
Bachelard, Gaston A poética do Espaço,Martins
Fontes, são Pulo, 1989, pag 36
[3] Thomas, Ann, No
Man´s Land, Thames &Hudson,2001,pag 20
[4]
Parent,
Claud, Architecture Principe 66,Les Éditions de
Límprimeur,1996,pag 80
[5]
Ito ,Toyo,
Forum Internacional, mutações, habitações e fluxos, Barcelona 96
[6]
Ushida,
Eisaku, Forum Internacional, mutações, habitações e fluxos, Barcelona 96
[7]
Augé, Marc,
Não Lugares, Bertrand Editora, 2ªedição,1998, pag 125
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