28/04/14

A moradia Florida ou casa Eva, Fundão



A revista EVA, referência editorial nacional entre as décadas de 30 e 60 do séc. XX, através de uma periodicidade semanal aborda temas como a moda feminina, cosmética, decoração e a vida social do país inclusive a monarquia europeia. No intuito de alavancar vendas e projectar a sua visibilidade sobre o grande público, oferece através de sorteio por cupões, variados objectos ou utensílios de prata, casacos de “vison” ou até mesmo automóveis. Luís Cristino da Silva por esta altura (década e 30) via o cineteatro Capitólio terminado, iniciando um arranque fulgurante da sua carreira profissional. O arquitecto encontra visibilidade em jornais de época e algumas revistas “socialites”. A linha editorial da revista EVA descobre nesta nova arquitectura "Modernista", ligeiramente internacionalista e imbuída das novas ideias racional-funcionalistas que por esta altura atravessavam a Europa, um meio para se iniciar no seio dos leitores masculinos e alargar o seu espectro editorial de referência social. No decorrer do Natal de 1933, ainda nos rescaldos do fim do regime ditatorial militar e numa perspectiva de nova vida cívica em torno da aprovação da Constituição, surgia no panorama arquitectónico nacional, talvez dos casos mais inusitados da sua história. A revista EVA no seu número de Natal sorteia uma moradia a construir pela construtora Amadeu Gaudêncio com projecto de autoria de Luís Cristino da Silva. O sorteio funciona num esquema claro e sem espaço para malabarismo: o felizardo que possua a revista em que o número do seu cupão coincida com o primeiro prémio da lotaria nacional do natal de 1933 terá a oportunidade de construir a respectiva casa sem encargos, em terreno na sua localidade natal. Caiu a sorte a uma família da vila do Fundão na Beira Baixa.
O que torna a situação singular é o facto de o projecto surgir no interior da revista através de perspectivas, desenhos em sistema axonométrico e plantas, concebido sem prévia definição de lugar ou enquadramento. É construído com reduzidas alterações apesar do lote de terreno não apresentar as configurações pré-estabelecidas no projecto inicial. Apesar desta atitude projectual “moderna”, a estética "tradicionalista" de cariz neo-conservador atravessará toda a década de 30 do séc. XX, consolidando-se posteriormente em torno de si uma discussão ao nível de uma doutrina pro-regionalista sustentada mais visivelmente por Raul Lino nas suas “Casas Portuguesas” de 1933. Está estética vinga e consolida-se com o Estado Novo. Apesar da conjuntura e a estória em torno da sua construção, a casa Florida, mais conhecida por casa EVA, acaba por se revelar como um dos edifícios mais interessantes do “modernismo” fundanense sustentado por outras obras de Carlos Ramos, Eduardo Paiva Lopes ou Pires Branco.

Nós, os da arquitectura social



Por estes dias, o panorama social e económico oferece uma difícil realidade para todos aqueles que vivem e sobrevivem da arquitectura, como de pão para a boca. Muito se fala da emigração obrigatória para quem ainda procura continuar a viver das plantas e das maquetas ou da opção na senda de outros caminhos, diametralmente opostos, para os desanimados com a realidade da própria profissão. As dificuldades na construção, com a consequente diminuição da encomenda, permitiu deixar o elevado número de profissionais no território nacional desalojados de trabalho e perspectivas. Perante este cenário, acresce mais um factor descuidado pela opinião pública e mais propriamente pela própria classe: a dificuldade em perceber no seio dos arquitectos que os mesmos, perante a ambição da autoria, não conseguiram entender que era na associação e na criação de grandes escritórios de associados que estava o caminho para o sucesso. Por outro lado, o ensino das últimas décadas, alicerçado por professores na sua maioria com escritórios próprios, estruturou profundamente o pensamento dos alunos nesse anseio da arquitectura de autor.
A dificuldade na associação não se encontra nesta nova geração que face às dificuldades teve de reconhecer e enveredar por este caminho. Dos arquitectos não emigrantes sobrevivem por cá: os “agarrados” ao ensino, os com ancoras à encomenda estrangeira em particular das Áfricas, os que em boa hora se associaram e criaram forças suplementares ou os que se reinventaram dentro do universo da arquitectura.
Quando se fala em reinventar, não passa obrigatoriamente por encontrar novos caminhos fora da profissão. Sou crente que a nossa formação nos apetrechou de uma série de ferramentas que nos permitem descobrir fórmulas para desenvolver trabalho fora do espaço do escritório em áreas como a cenografia, curadoria, gestão cultural, desenvolvimento de projectos expositivos, pedagogia, divulgação cultural, ilustração, organização de eventos, elaboração de artes aplicadas, de certificação energética, avaliação imobiliária, consultoria, gestão de obra, topografia, entre outras… ou até mesmo o desenvolvimento de projectos sociais das mais diversas naturezas. A exposição Tanto Mar, actualmente patente no Centro Cultural de Belém, revela na sua génese uma panóplia de intervenções em todo o mundo com forte carácter social. Algumas das intervenções são desenvolvidas por escritórios sediados em território nacional, outras providas das dificuldades de quem teve de emigrar para se sustentar, contudo encontrou nessa nova realidade espaço e oportunidade para desenvolver projectos (não obrigatoriamente de arquitectura) comungando com as comunidades locais um futuro mais risonho. 
Temos de encarar este futuro incerto numa perspectiva aberta, sem esperar que uma Ordem, muito pouco musculada, possa ser auxílio ou que governantes possam instruir alavancas no universo da construção. Perante este cenário, se ao leitor enquanto arquitecto este discurso soar a ridículo e desprovido de contexto ou de senso na realidade, carpe diem!