12/12/13

Corbusier e a Luz de Siza

Sabiamente Le Corbusier em 1923 definiu no seu livro “vers une architecture” a arquitectura enquanto “le jeu, savant, correct et magnifique des volumes sous la lumière.” Se existe alguém que tenha percebido o verdadeiro sentido desta frase e explorando-o na sua plenitude, é sem dúvida Alvaro Siza Vieira. A percepção da envolvente e o trabalho com os pontos cardeais são primordiais na desenvoltura da sua metodologia projectual! Perante a problemática do lugar, a luz, não é o fim na construção das espacialidades interiores, na media em que o jogo das sombras exteriores é mecanismo de hierarquização quando o edifício se debruça sobre o território. Desde as suas primeiras obras se observa uma capacidade aditiva onde o domínio do pormenor impera, não é na soma das partes que se lê o conjunto no pressuposto que a complexidade da sua obra se enjeita para além do poder criativo, no desenvolvimento da relação formal-espacial. As formas, os espaços, os detalhes e a luz vivem e sobrevivem, na duplicidade do confronto e da adição, numa autonomia harmoniosa e sem complexos. Aqui se eleva a diferença do seu estatuto, Siza, tal como Reyner Banham refere em “Le brutalisme en Architecture” determina a luz natural para uma espacialidade expressa numa imagem arquitectónica sem semelhante, proporcionando um habitar para um lugar neste tempo preciso. Fernando Távora chega a afirmar em 1947 que “tudo há que refazer, começando pelo princípio”, entendendo que se deveria olhar para o passado e para a arquitectura genuinamente portuguesa desenvolvida pelas mãos da tradição e do saber falado. Perante este estreito dilema, jovens arquitectos à época desenvolvem um caminho sustentado em um novo vocabulário que sintetiza as necessidades habitacionais de época e traduzem uma humana Portugalidade na multiplicidade das suas relações. Apesar deste registo, a obra de Siza permite a desenvoltura de uma complexidade alicerçada num percurso imprevisível que permite que cada obra seja autónoma apesar de ser mais uma peça numa obra continua e sem interrupções. A continuidade detectada é garantida por uma postura e por um não formalismo que transforma o real em objecto de projecto, conduzindo a proposta à essência primeira do lugar. A luz persiste, mas agora sobre volumetrias que constroem a paisagem através de “um trabalho modesto, cauteloso”. Tal como Siza afirma relativamente à tradição, ele mesmo se transporta de baixo da luz por entre “conflitos, compromissos, mestiçagem e transformação.” 

11/12/13

Nadir Afonso - da intuição artística ao raciocinínio estético

                               @ nadir afonso


Arquitecto e pintor, no mundo

Nadir em todos os sentidos assume-se a excepção à regra, onde como ele, são poucos os exemplos no panorama artístico português que tenham conseguido produzir tão profunda criação teórica aliada a uma profícua e almejada prática de atelier. A totalidade da sua obra não reflecte academismo institucional ou identidades reflexo de outros, a sua singularidade é verdade na sua intemporalidade identitária. Perfil demonstrado com clareza nos escritos que desde sempre retalhou no papel e fez questão de publicar. Talvez na sua obra escrita, se encontre a totalidade da sua obra, onde o pensamento é explanado na palavra e encerrado posteriormente na fluidez do traço. È nesta experiencia que Nadir se sente comprometido na procura do primado do carácter fenomenológico. Onde a geometria do universo e a sua cosmogonia são enceto para a justificação da sua obra. Entendendo a via entre o homem e objecto, entidade própria, geradora da alteração do “significado qualitativo dos objectos” para a “expressão quantitativa dos espaços”. Assume por um lado que a redução fenomenológica coloca em suspenso o conhecimento das coisas do mundo exterior a fim de concentrar-se o individuo exclusivamente na experiência em foco, por outro lado “o objecto existe sem o sujeito, mas não é dado sem a actividade do sujeito”. Arroga assim em obras anteriores que esta relação é uma entidade em si, e aqui dá lugar ao papel da intuição artística, onde acorda a geometria como alicerce no entendimento da significância entre o mundo e a consciência. A imutabilidade e eterna harmonia adquirem consciência no raciocínio estético, adquirindo a geometria um papel orientador sendo legitimada por Pitágoras, a sua verdade. O que procura na sua essência, são as qualidades da perfeição, aquando da sua aproximação limite revela-se a harmonia. Se a geometria de Pitágoras alimentava o encanto duradouro para a perfeição de Marx, Nadir defende o sentido da harmonia alicerçado nas leis imutáveis da geometria. Aqui reside a essência da obra de Nadir, numa depurada clarividência na expressão do pensamento complementa uma obra artística, e agora, na densa espessura da escrita “da intuição artística ao raciocínio estético”.


03/12/13

Livro: As Roças de São Tomé e Príncipe



As Roças de São Tomé e Príncipe, estudo e investigação de Rodrigo Rebelo de Andrade e Duarte Pape, talvez seja neste final de ano, a mais interessante novidade editorial nacional dentro da esfera da arquitectura. O que mais surpreende nesta aposta da Tinta da China é a forma como a investigação foi “manipulada”, se por um lado a editora não deixou de transformar o estudo dos dois talentosos investigadores e arquitectos num valioso instrumento de estudo para estudantes e arquitectos, por outro proporcionou ao leitor um binóculo sobre o arquipélago para amantes de África e da história colonial portuguesa. Perante esta publicação percebe-se que procura ocupar um espaço que outras editoras especializadas, vão descurando e trabalhando com pouca convicção e sentido. Em 2010 com “Moderno Tropical – Arquitectura em Angolae Moçambique, 1948-1975” de Ana Magalhães e Inês Gonçalves reconhecia-se um atrevimento arriscado, confrontados com esta obra, somos a anuir determinação e escolha acertada, iniciando um processo interno, de construção de uma “estante” editorial que versa a arquitectura.

O trabalho apresentado por Rodrigo Rebelo de Andrade e Duarte Pape vem ao encontro de uma necessidade latente nas publicações de investigação sobre arquitectura colonial, onde figuras como José Manuel Fernandes em “Geração Africana”, de Livros Horizonte, “África - Arquitectura e Urbanismo de Matriz Portuguesa” e “Arquitectura e Urbanismo na África” das edições Caleidoscópio; Ana Vaz Milheiro em “Guiné-Bissau, 2011” da Circo de Ideias e “Os Trópicos sem Le Corbusier” da Relógio D´Água; ou Miguel Santiago num registo mais monográfico sobre “Pancho Guedes – Metamorfoses Espaciais” da Caleidoscópio, têm vindo a promover, entre outros, a noção de que a arquitectura de raiz portuguesa apesar de amplo e merecido estudo ainda é por nós, desconhecida. Esta abordagem agora publicada assume uma rotura com o universo de publicações antes produzido sobre a arquitectura luso-colonial africana, quase exclusivo ao território Angolano e Moçambicano. Territórios como Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe estão por descobrir apesar das incursões de Ana Vaz Milheiro e Eduardo Costa Dias essencialmente sobre o séc. XX guineense e cabo-verdiano e sobre o interessante e importante trabalho desenvolvido pelos gabinetes de urbanização colonial entre 1944 e 1974.
Mais do que um inventário, tal como assumem os autores no sexto capitulo, é fundamentalmente um enquadramento do café no arquipélago e toda a orgânica tipológica e programática por detrás de um contexto social gerado em torno desta cultura. As roças no seu edificado representam uma época auspiciosa de um legado desenvolvido com diversidade formal e de escolha acertada dos materiais no desenvolvimento da construção. Para além dos 122 exemplos identificados, o enquadramento geográfico explanado permite uma leitura num perfil historicista mais adequado às relações sociais e económicas ali desenvolvidas. Perante um património pouco preservado e sem qualquer cuidado governamental, mais à frente, os autores perspectivam o caminho a travar, apostando fundamentalmente em processos de recuperação e preservação da riqueza patrimonial encontrada.

Publicação de leitura fácil e de valor incomensurável não só pela descoberta de tão “distante” e valioso património como pela consubstanciação de um extraordinário legado fotográfico do jovem arquitecto e fotografo Francisco Nogueira que permite ao leitor viajar sem comprar bilhete. Assumindo a mesma perspectiva de José Manuel Fernandes no seu prefácio, esta obra representa o estudo editado “mais aprofundado, inovador, esclarecido e polifacetado” sobre o tema das roças em São Tomé e Príncipe. Para o leitor arquitecto fica a faltar o registo técnico detalhado ou levantamento circunstancial ajustado às suas expectativas, contudo a estrutura e beleza da obra que Tinta da China nos presenteia, permite-nos a espera por mais um degrau na investigação, posteriormente com a coordenação de José Manuel Fernandes neste belíssimo trabalho conjunto de três jovens arquitectos da geração que agora emigra.



1.ª edição: Outubro de 2013

n.º de páginas: 240

isbn: 978‑989‑671‑175‑7