30/03/20

O barulho do silêncio!





Durante a curadoria da exposição” Centro Comercial do Restelo - Raúl Chorão Ramalho”, que irá ocorrer na sede da Ordem dos Arquitectos no decorrer deste ano, surgiu-nos uma pergunta que nos parecia pertinente: Porque será que ninguém pinta sobre um Van Gogh? A pergunta parece descabida e fora de contexto, mas não é! Passo a explicar. Esta exposição procura estabelecer um princípio de reflexão sobre a protecção e defesa do património cultural, em particular o património arquitectónico. No caso concreto do Centro Comercial do Restelo, a descaracterização acontece de forma lenta mas obtusa, com introdução de elementos dissonantes e alteração das tipologias originais por parte de alguns dos proprietários. Um pedaço de cidade, constante nas vivências e usos, características reveladoras de que a boa arquitectura é perene e geradora de qualidade de vida mesmo para além da sua contemporaneidade. A sua descaracterização iniciou-se nos finais da década de 80, situação com a qual o arquitecto autor do projecto demonstrará o seu desagrado aquando de uma entrevista promovida pelo arquitecto Manuel Graça Dias no longínquo ano de 94. Apesar da morosidade do processo, a sua reversibilidade é passível de ocorrer, podendo-se requalificar este importante e significativo edificado da história e caracterização do percurso da Arquitectura Portuguesa na segunda metade do século XX.

Ao olharmos para este cenário lisboeta poderiamos estar de algum modo tranquilos relativamente aos demais edificios do século XX, agora também eles, enquadrados enquanto património arquitectónico. Nada mais errados! Entre os pingos da chuva, no espaço de um mês, presenciámos a demolição de duas belas “telas expressionistas” da nossa arquitectura portuguesa: a casa do Magistrados no Fundão da autoria do arquitecto Eduardo Paiva Lopes  e a Panificadora em Vila Real do arquitecto Nadir Afonso. Se no caso do Centro Comercial do Restelo, boa parte dos estragos poderão ser revertidos, na Casa dos Magistrados e na Panificadora apenas ficará a memoria das fotografias e estudos académicos sobre os respectivos edifícios. Apesar das propostas de classificação, da criação de associações de defesa e salvaguarda, aos inumeros artigos em jornais, da realização de exposições ou promoção de debates em tornos da defesa destes dois imóveis, lamentavelmente, não se conseguiu a sensibilização necessária por parte das autoridades competentes na sua preservação.

A demolição destes edifícios é um acto violento sobre a nossa história recente. Não podemos pactuar com estas acções justificando-as com os desígnios de que a cidade tem de se mutar e adaptar às novas circunstâncias da vida. A cidade sempre soube ajustar-se às condicionantes em processos democráticos e respeitadores de quem a habita. A sua sustentabilidade, tal como Joaquim Guedes defende, vive de um “... tecido de projectos singulares em conflito, conciliação e reinvenção permanentes, insubmissos às ideologias e geometrias simplificadoras”. É aqui que persiste a razão e o critério para defesa destes objectos singulares na sua originalidade e nas referências ideológicas que carregam em si. A história nunca pode ser travada, mas é nestes momentos que os decisores devem ter mão firme na defesa de uma cidade democrática e plural, numa cidade agregadora e aberta à diferença, mas sobretudo, numa cidade que respeite a sua história contribuindo assim para o futuro dos seus propósitos.

Perante tão preciosas telas porque teimamos em continuar a dar valentes pinceladas de negro sobre os nossos amados Van Gogh´s?


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