22/02/23

Lisboa Submersa




Diário de Notícias

Em ano de centenário do nascimento do arquiteto Victor Palla, que bom é recordar Lisboa retratada em Lisboa, Cidade Triste e Alegre. Nesse poema gráfico, editado na década de 50 do Séc. XX pelos arquitetos Victor Palla e Manuel Costa Martins, relata-se uma Lisboa debruçada sobre o Tejo, de uma topografia moldada pela força das águas e de gentes umbilicalmente ligadas ao horizonte atlântico.


Muitos anos passaram e a "nossa" Lisboa é outra, mais do que nunca, carece de ser mais participada cívica e politicamente na sua transformação. A definição do novo "desenho" do Aeroporto e a sua localização numa perspetiva macro de cidade, o "redesenho" das ciclovias da Almirante Reis e a consolidação do Martim Moniz, a solução para os frequentes problemas de mobilidade urbana e agora o flagelo das recorrentes inundações que colocam em causa a qualidade do planeamento urbano das últimas décadas, são hoje complexidades que as atuais "velocidades contemporâneas" não podem justificar.


Face a estes problemas de escalas diferenciadas, a resposta terá de ocorrer consubstanciada em soluções mais sistémicas no desenho da cidade, no espaço público e no edificado. A área metropolitana de Lisboa tem que mobilizar a sua enorme comunidade que pensa o espaço urbano, onde em particular arquitetos, paisagistas e urbanistas deverão ser chamados de forma responsável a colocar o seu saber e competências em conjunto com os outros intervenientes em prol no desenho do território.


A propósito das cheias de 1967 na cidade de Lisboa, Gonçalo Ribeiro Teles afirmava que "a Cidade e o Campo são construções do homem! Construção sábia é quando em benefício da comunidade ou profundamente negativa quando em benefício de alguns..." e é aqui que reside a chave do processo. A tecnocracia deverá imperar não fundando a resolução através do milagre do agora. É no planeamento estruturado, alicerçado em conhecimentos técnicos e apoiado por vontades políticas que o beneficio se repercutirá em favor da comunidade. Na certeza de que das grandes obras ao impasse inseguro, nesses investimentos, distam poucos centímetros políticos.


As recentes inundações em Lisboa vieram mostrar, mais uma vez, que a população terá que se adaptar aos novos tempos ditados pelas alterações climáticas. A cidade funcionará amiúde em situação de fenómenos extremos, pelo que a resposta imediata tem que se estruturar em soluções flexíveis e humanamente exequíveis, permitindo que agora, arquitetos e engenheiros, finalmente assumam um papel preponderante na qualidade de vida das cidades, cabendo por fim aos políticos delinear esforços para que estes possam executar o planeado.

Acordámos sobre uma Lisboa Submersa de incertezas, tal como a Manhã de Virgílio Ferreira.


https://www.dn.pt/opiniao/lisboa-submersa-15491993.html

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