Quando falamos de reabilitação ou até mesmo de reconstrução, rapidamente
nos salta à memória o complexo programa de “Modernização das Escolas do Ensino
Secundário” que tanta tinta fez correr na comunicação social pelas mais
diversas razões e enquadramentos. Contudo, apesar de todas as suas
vicissitudes, podemos considera-lo, talvez o mais importante exemplo de
reabilitação em grande escala que se desenvolveu no nosso país. A escolha
directa pelo Parque Escolar, dos gabinetes projectistas que iriam pensar as
novas intervenções possibilitou a introdução de estratégias projectuais
diferenciadas muito pelo percurso de cada gabinete. A negação da solução
imediata de deitar a abaixo e erguer de novo permitiu e obrigou ao
desenvolvimento de estratégias de reorganização funcional, ajustamento dos
espaços exteriores com permeabilidades com áreas de reunião e convívio ou até
mesmo na definição de frentes urbanas (o caso da escola D. Pedro V em Lisboa pelas mãos do arquitecto Ricardo Back Gordon) com base em processos
fundamentalmente de adição com base em regras clássicas. A dificuldade em
pensar a reabilitação do edificado com as escolas em funcionamento foi exigente
para os gabinetes projectistas na medida em que, apesar das dificuldades
inerentes, conseguiram na sua generalidade promover opções estéticas cuidadas e
apropriadas na ligação e enquadramento do antigo com o novo. É nesta relação
que se encontram os exemplos mais felizes nomeadamente a escola Secundária D.
Dinis pela equipa do ateliê de Ricardo Back Gordon ou a Escola Secundária Josefa de
Óbidos pelo Atelier Central do arquitecto José Martinez e arquitecto Miguel Beleza. Muito para
além das opções estéticas, na grande maioria dos casos, as preocupações do
ponto de vista ambiental foram tidas em linha de conta, conseguindo promover
desempenhos energéticos controlados e adequados à realidade de cada contexto e
população residente. Estas novas valências energéticas com a introdução de
energias alternativas permitem, hoje, qualificar o antigo com valências
equiparáveis a novos equipamentos escolares alinhados por normativas europeias.
Com estas soluções integradas ao nível das novas ampliações, desenhos urbanos
entre o novo e o antigo e adequabilidade dos sistemas energéticos integrados, possibilita-nos
assumir o Programa para a reabilitação do Parque Escolar com edifícios
construídos nas mais diversas décadas do séc. XX,
enquanto o motor fundamental na valorização do todo, colocando o aluno como
personagem principal neste novo contexto escolar. Na análise dos diversos
exemplos que hoje temos em mãos percebe-se o diálogo estabelecido entre os vários
intervenientes no processo: arquitecto e engenheiros, o Parque Escolar e as Escolas
na procura das melhores alternativas e promovendo agora, um caderno de encargos
para a promoção de boas práticas na reabilitação de edifícios públicos.
07/01/14
Charters de Almeida: Cartografias, abstração da forma no confronto com o urbano
“... Naquele império, a Arte da
Cartografia atingiu tal perfeição que o Mapa de uma só Província ocupava toda a
Cidade e o Mapa do Império toda a Província. Com o tempo, estes Mapas
desmesurados não satisfizeram e os Colégios de Cartógrafos levantaram um Mapa
do Império e coincidia pontualmente com ele…” (1)
Neste excerto de citação que Jorge Luis Borges vai recuperar às Viajes de Varones Prudentes de Suárez Miranda de 1658, intitulando-o de “Rigor da Ciência”, residem quatro ideias fundamentais do processo criativo de Charters de Almeida: a Cartografia (espaço), os Mapas (síntese), a Cidade (arquitectura) e o Tempo. Na conjugação da complexidade destes temas através da sublime expressão concilia os cosmos nas suas diferentes escalas. Aí reside o talento. Com base na mensuração da distancia reconhece a cidade enquanto contexto de geometrias de riqueza humana, onde a urbe faz mais sentido. Neste esquema de leitura de dentro para fora Charters de Almeida posiciona-se perante o “mundo” adequando as suas lógicas escultóricas em potenciais referencias introdutórias de uma nova realidade. Aqui redefine o espaço, orienta o sujeito numa nova perspectiva urbana. A imposição é assumida mas o lugar respeita-a, opina mas não transgride, reage e constrói O horizonte é lançado para novos limites originais da nova cartografia. Desenham-se novos mapas redefine-se a cidade.
As “peças” pela sua natureza reagem na potência em contextos que o permitem, no entanto é na escassez de recursos que estas elevam a força da sua expressão. Quando Charters de Almeida afirma: «Procuro dizer o mais que posso com o menos possível de elementos», apesar da afirmação se elevar aparentemente contraditória na relação imediata da escala, contudo é na distância e no macro reconhecimento da cidade que o gesto assume a síntese e clarividência.
A abstracção da forma no
confronto com o urbano origina novos conceitos, a matéria e a cor mutam-se,
aclarando a envolvente onde “modulor” é humano e governador da geometria.
Texturas, superfícies e volumes são humanas na diferença como Espiga Pinto
refere, «a geometria está em nós, nos nossos gestos, na nossa mente e na
arquitectura do universo».
A cidade matérica
expressão urbana da convivência humana, é um emaranhado de realidades com recursos
ilimitados conduzidos essencialmente no tacto e na visão. Charter de Almeida
confronta o ruído diário com uma perspectiva luminosa e fracturante. As lógicas
conjugadas diariamente, no confronto, redesenham-se em geometrias puras e
radiosas, oferecendo algo mais além. Este percurso que
atravessa o antes para o imediato ou um empolgante depois. É essencial na
descoberta da obra. O lugar é assumido e construído no inconsciente despontando
a ideia do depois na retaguarda do antes. A integração é total. A transparência
não é matérica, mas expressiva. O tempo dirige uma certa neutralidade clássica
ou naturalidade. O sítio funda-se e o lugar renasce com raízes ancestrais. Só uma consciência
sensível poderia encontrar na negação do monumento a possibilidade de
construção de uma dimensão maior à escala da praça. O posicionamento
referencial é instruído da negação de ostentação, colonizando consequentemente
o lugar. Charters de Almeida
proporciona-nos uma abertura empolgante à cidade devolvendo-nos a proximidade
através da distância e discrição aparente. É talvez nas variadas contradições
que constrói riqueza urbana e desenvoltura estética difícil de obter em
territórios acidentados de acasos e imposições.
Falámos sempre de cidade,
a escultura diluiu-se, cartografou-se...
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