Durante a curadoria da exposição” Centro Comercial do Restelo
- Raúl Chorão Ramalho”, que irá ocorrer na sede da Ordem
dos Arquitectos no decorrer deste ano, surgiu-nos uma pergunta que nos parecia
pertinente: Porque será que ninguém pinta sobre um Van Gogh? A
pergunta parece descabida e fora de contexto, mas não é! Passo a
explicar. Esta exposição procura estabelecer um princípio de reflexão sobre a
protecção e defesa do património cultural, em particular o património arquitectónico.
No caso concreto do Centro Comercial do Restelo, a descaracterização acontece
de forma lenta mas obtusa, com introdução de elementos dissonantes e alteração
das tipologias originais por parte de alguns dos proprietários. Um pedaço de
cidade, constante nas vivências e usos, características reveladoras de que a
boa arquitectura é perene e geradora de qualidade de vida mesmo para além da
sua contemporaneidade. A sua descaracterização iniciou-se nos finais da década
de 80, situação com a qual o arquitecto autor do projecto demonstrará o seu
desagrado aquando de uma entrevista promovida pelo arquitecto Manuel Graça Dias
no longínquo ano de 94. Apesar da morosidade do processo, a sua reversibilidade
é passível de ocorrer, podendo-se requalificar este importante e significativo
edificado da história e caracterização do percurso da Arquitectura Portuguesa
na segunda metade do século XX.
Ao olharmos para este cenário lisboeta
poderiamos estar de algum modo tranquilos relativamente aos demais edificios do
século XX, agora também eles, enquadrados enquanto património arquitectónico. Nada
mais errados! Entre os pingos da chuva, no espaço de um mês, presenciámos a
demolição de duas belas “telas expressionistas” da nossa arquitectura portuguesa:
a casa do Magistrados no Fundão da autoria do arquitecto Eduardo Paiva Lopes e a Panificadora em Vila Real do arquitecto
Nadir Afonso. Se no caso do Centro Comercial do Restelo, boa parte dos estragos
poderão ser revertidos, na Casa dos Magistrados e na Panificadora apenas ficará
a memoria das fotografias e estudos académicos sobre os respectivos edifícios. Apesar
das propostas de classificação, da criação de associações de defesa e
salvaguarda, aos inumeros artigos em jornais, da realização de exposições ou
promoção de debates em tornos da defesa destes dois imóveis, lamentavelmente, não
se conseguiu a sensibilização necessária por parte das autoridades competentes
na sua preservação.
A demolição destes edifícios é um
acto violento sobre a nossa história recente. Não podemos pactuar com
estas acções justificando-as com os desígnios de que a cidade tem de se mutar e
adaptar às novas circunstâncias da vida. A cidade sempre soube ajustar-se às
condicionantes em processos democráticos e respeitadores de quem a habita. A
sua sustentabilidade, tal como Joaquim Guedes defende, vive de um
“... tecido de projectos singulares em conflito, conciliação e
reinvenção permanentes, insubmissos às ideologias e geometrias simplificadoras”.
É aqui que persiste a razão e o critério para defesa destes objectos singulares
na sua originalidade e nas referências ideológicas que carregam em si. A
história nunca pode ser travada, mas é nestes momentos que os decisores devem
ter mão firme na defesa de uma cidade democrática e plural, numa cidade
agregadora e aberta à diferença, mas sobretudo, numa cidade que respeite a sua
história contribuindo assim para o futuro dos seus propósitos.
Perante tão preciosas telas porque teimamos em continuar a dar valentes pinceladas de negro sobre os nossos amados Van Gogh´s?