Sabiamente Le Corbusier em 1923 definiu no seu livro “vers une
architecture” a arquitectura enquanto “le jeu, savant, correct et magnifique
des volumes sous la lumière.” Se existe alguém que tenha percebido o verdadeiro
sentido desta frase e explorando-o na sua plenitude, é sem dúvida Alvaro Siza
Vieira. A percepção da envolvente e o trabalho com os pontos cardeais são
primordiais na desenvoltura da sua metodologia projectual! Perante a
problemática do lugar, a luz, não é o fim na construção das espacialidades
interiores, na media em que o jogo das sombras exteriores é mecanismo de
hierarquização quando o edifício se debruça sobre o território. Desde as suas
primeiras obras se observa uma capacidade aditiva onde o domínio do pormenor
impera, não é na soma das partes que se lê o conjunto no pressuposto que a
complexidade da sua obra se enjeita para além do poder criativo, no
desenvolvimento da relação formal-espacial. As formas, os espaços, os detalhes
e a luz vivem e sobrevivem, na duplicidade do confronto e da adição, numa
autonomia harmoniosa e sem complexos. Aqui se eleva a diferença do seu
estatuto, Siza, tal como Reyner Banham refere em “Le brutalisme en
Architecture” determina a luz natural para uma espacialidade expressa numa
imagem arquitectónica sem semelhante, proporcionando um habitar para um lugar
neste tempo preciso. Fernando Távora chega a afirmar em 1947 que “tudo há que
refazer, começando pelo princípio”, entendendo que se deveria olhar para o
passado e para a arquitectura genuinamente portuguesa desenvolvida pelas mãos
da tradição e do saber falado. Perante este estreito dilema, jovens arquitectos
à época desenvolvem um caminho sustentado em um novo vocabulário que sintetiza
as necessidades habitacionais de época e traduzem uma humana Portugalidade na
multiplicidade das suas relações. Apesar deste registo, a obra de Siza permite
a desenvoltura de uma complexidade alicerçada num percurso imprevisível que
permite que cada obra seja autónoma apesar de ser mais uma peça numa obra
continua e sem interrupções. A continuidade detectada é garantida por uma
postura e por um não formalismo que transforma o real em objecto de projecto,
conduzindo a proposta à essência primeira do lugar. A luz persiste, mas agora
sobre volumetrias que constroem a paisagem através de “um trabalho modesto,
cauteloso”. Tal como Siza afirma relativamente à tradição, ele mesmo se
transporta de baixo da luz por entre “conflitos, compromissos, mestiçagem e
transformação.”
11/12/13
Nadir Afonso - da intuição artística ao raciocinínio estético
@ nadir afonso
Arquitecto e pintor, no mundo
Nadir em
todos os sentidos assume-se a excepção à regra, onde como ele, são poucos os
exemplos no panorama artístico português que tenham conseguido produzir tão profunda
criação teórica aliada a uma profícua e almejada prática de atelier. A
totalidade da sua obra não reflecte academismo institucional ou identidades
reflexo de outros, a sua singularidade é verdade na sua intemporalidade
identitária. Perfil demonstrado com clareza nos escritos que desde sempre
retalhou no papel e fez questão de publicar. Talvez na sua obra escrita, se
encontre a totalidade da sua obra, onde o pensamento é explanado na palavra e
encerrado posteriormente na fluidez do traço. È nesta experiencia que Nadir se
sente comprometido na procura do primado do carácter fenomenológico. Onde a
geometria do universo e a sua cosmogonia são enceto para a justificação da sua
obra. Entendendo a via entre o homem e objecto, entidade própria, geradora da
alteração do “significado qualitativo dos objectos” para a “expressão
quantitativa dos espaços”. Assume por um lado que a redução fenomenológica
coloca em suspenso o conhecimento das coisas do mundo exterior a fim de
concentrar-se o individuo exclusivamente na experiência em foco, por outro lado
“o objecto existe sem o sujeito, mas não é dado sem a actividade do sujeito”. Arroga
assim em obras anteriores que esta relação é uma entidade em si, e aqui dá
lugar ao papel da intuição artística, onde acorda a geometria como alicerce no
entendimento da significância entre o mundo e a consciência. A imutabilidade e
eterna harmonia adquirem consciência no raciocínio estético, adquirindo a
geometria um papel orientador sendo legitimada por Pitágoras, a sua verdade. O
que procura na sua essência, são as qualidades da perfeição, aquando da sua
aproximação limite revela-se a harmonia. Se a geometria de Pitágoras alimentava
o encanto duradouro para a perfeição de Marx, Nadir defende o sentido da
harmonia alicerçado nas leis imutáveis da geometria. Aqui reside a essência da
obra de Nadir, numa depurada clarividência na expressão do pensamento
complementa uma obra artística, e agora, na densa espessura da escrita “da
intuição artística ao raciocínio estético”.
03/12/13
Livro: As Roças de São Tomé e Príncipe
As Roças de São Tomé e Príncipe, estudo
e investigação de Rodrigo Rebelo de Andrade e Duarte Pape, talvez seja neste
final de ano, a mais interessante novidade editorial nacional dentro da esfera
da arquitectura. O que mais surpreende nesta aposta da Tinta da China é a forma
como a investigação foi “manipulada”, se por um lado a editora não deixou de
transformar o estudo dos dois talentosos investigadores e arquitectos num valioso
instrumento de estudo para estudantes e arquitectos, por outro proporcionou ao
leitor um binóculo sobre o arquipélago para amantes de África e da história
colonial portuguesa. Perante esta publicação percebe-se que procura ocupar um
espaço que outras editoras especializadas, vão descurando e trabalhando com
pouca convicção e sentido. Em 2010 com “Moderno Tropical – Arquitectura em Angolae Moçambique, 1948-1975” de Ana Magalhães e Inês Gonçalves reconhecia-se um
atrevimento arriscado, confrontados com esta obra, somos a anuir determinação e escolha
acertada, iniciando um processo interno, de construção de uma “estante”
editorial que versa a arquitectura.
O trabalho apresentado por Rodrigo Rebelo de Andrade e Duarte Pape vem ao encontro de uma necessidade latente nas publicações
de investigação sobre arquitectura colonial, onde figuras como José Manuel Fernandes
em “Geração Africana”, de Livros Horizonte, “África - Arquitectura e Urbanismo de
Matriz Portuguesa” e “Arquitectura e Urbanismo na África” das edições Caleidoscópio;
Ana Vaz Milheiro em “Guiné-Bissau, 2011” da Circo de Ideias e “Os Trópicos sem
Le Corbusier” da Relógio D´Água; ou Miguel Santiago num registo mais
monográfico sobre “Pancho Guedes – Metamorfoses Espaciais” da Caleidoscópio, têm
vindo a promover, entre outros, a noção de que a arquitectura de raiz
portuguesa apesar de amplo e merecido estudo ainda é por nós, desconhecida. Esta
abordagem agora publicada assume uma rotura com o universo de publicações antes
produzido sobre a arquitectura luso-colonial africana, quase exclusivo ao
território Angolano e Moçambicano. Territórios como Cabo Verde, Guiné-Bissau e
São Tomé e Príncipe estão por descobrir apesar das incursões de Ana Vaz
Milheiro e Eduardo Costa Dias essencialmente sobre o séc. XX guineense e cabo-verdiano
e sobre o interessante e importante trabalho desenvolvido pelos gabinetes de
urbanização colonial entre 1944 e 1974.
Mais do que um inventário, tal como
assumem os autores no sexto capitulo, é fundamentalmente um enquadramento do
café no arquipélago e toda a orgânica tipológica e programática por detrás de
um contexto social gerado em torno desta cultura. As roças no seu edificado representam
uma época auspiciosa de um legado desenvolvido com diversidade formal e de escolha acertada dos materiais no desenvolvimento da construção. Para além dos 122
exemplos identificados, o enquadramento geográfico explanado permite uma
leitura num perfil historicista mais adequado às relações sociais e económicas ali
desenvolvidas. Perante um património pouco preservado e sem qualquer cuidado
governamental, mais à frente, os autores perspectivam o caminho a travar,
apostando fundamentalmente em processos de recuperação e preservação da riqueza
patrimonial encontrada.
Publicação de leitura fácil e de valor incomensurável
não só pela descoberta de tão “distante” e valioso património como pela
consubstanciação de um extraordinário legado fotográfico do jovem arquitecto e
fotografo Francisco Nogueira que permite ao leitor viajar sem comprar bilhete. Assumindo
a mesma perspectiva de José Manuel Fernandes no seu prefácio, esta obra
representa o estudo editado “mais aprofundado, inovador, esclarecido e
polifacetado” sobre o tema das roças em São Tomé e Príncipe. Para o leitor arquitecto
fica a faltar o registo técnico detalhado ou levantamento circunstancial ajustado
às suas expectativas, contudo a estrutura e beleza da obra que Tinta da China
nos presenteia, permite-nos a espera por mais um degrau na investigação, posteriormente com a coordenação
de José Manuel Fernandes neste belíssimo trabalho conjunto de três jovens
arquitectos da geração que agora emigra.
1.ª edição: Outubro de 2013
n.º de páginas: 240
isbn: 978‑989‑671‑175‑7
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