A nossa contemporaneidade solicita constantemente soluções a nível global
e nesse sentido, o papel do arquitecto é permanentemente decisor dos contornos
que as nossas cidades enfrentam. O crescimento em altura promoveu uma
construção de maior número de unidades habitacionais por metro quadrado,
obrigando consequentemente a diminuição do espaço habitacional. O
desenvolvimento digital conseguiu devolver ao espaço o seu lugar, tornando-o
agora sim habitável. As estantes de livros mutaram-se em bytes, o ter no
usufruir, o estar no “poder ir” e
o telemóvel na máquina de teletransporte. O habitar evoluiu para uma lógica de
espaços reduzidos, no entanto sem diferenças substanciais na organização e
dinâmica vivencial interior. Se o apetite pelo centro a isso obrigou, a cultura
consumista e a exposição aos meios de comunicação potenciaram novas formas de gestão
do programa residencial. Os materiais
construtivos, a artificialização de climatização e as redes de informação
possibilitaram ao mesmo edifício a sua edificabilidade em qualquer centro
urbano planetario, sem alterações construtivas, ordem estética ou orgânica
funcional. Perante este cenário
de uniformização global do centro urbano, deveremos olhar para a construção em
territórios periféricos e despoluídos do ruído cosmopolita com atenção e cuidado. A
aplicação de técnicas construtivas locais adaptadas ao conhecimento científico,
e estratégias na construção alicerçadas em estéticas contemporâneas, revelam-se
cada vez mais interessantes. Perante estas problemáticas é fundamental garantir
a sustentabilidade da construção neste contexto em que a ecologia é
determinante e decisora. Os custos de impacto ambiental relativos ao sector da
construção têm de ser reduzidos e optimizados. Em resposta a esta necessidade a
construção terá que procurar materiais e técnicas construtivas produzidas
através de processos simples e pouco consumidores de recursos energéticos na
utilização de matéria-prima. A construção em terra cada vez mais, nestes
contextos territoriais, tende a adquirir um papel importante pela sua
abundância enquanto matéria-prima onde a sua utilização carece de processos de
transformação dispendiosos em termos energéticos, apresenta um óptimo
comportamento térmico é reciclável e reutilizável.
No nosso contexto nacional, o clima seco do Sul do país é extraordinariamente favorável à utilização de técnicas
construtivas em terra. As raízes culturais de utilização desta técnica, a
possibilidade de criar um desenvolvimento sustentado e o entendimento desta
técnica como uma alternativa ambientalmente eficaz, podem ser fundamentais para
o ressurgimento de uma nova vaga na construção conseguindo suplantar este ciclo
negativo da construção sintética.
22/04/13
Flashes do Monopólio da Mediatização
Entre gerações reconheceram-se lógicas
conceptuais, princípios e regras deterministas de estéticas. Foi assim que se
definiram correntes e metodologias. Nas ultimas décadas, a chamada escola do Porto esbateu-se no percurso
académico e científico do estudo arquitectónico português. As referências
existem, mas o bastião da resistência esfumou-se entre as novas tecnologias e
velocidade de informação. O academismo aprisionou-se na história e não soube estender
a vela ao sabor dos ventos. O advento das novas tecnologias digitais permitiu
uma profunda revolução no entendimento da “verdade” da realidade. Em
sobreposição ao desenho, a incontinência do disparo digital que proporcionou
uma capacidade quantitativa, carregando as imagens com uma superficialidade que
responde proporcionalmente aos fenómenos de mediatização tomados por modas e
tendências. Os factos antes insofismáveis, que perante o olhar do fotógrafo
eram captados para suportes de posterior reprodução, são hoje manipulados
através de processos de “limpeza” ocultando ou acrescentando elementos
observados. Projectando o fundamental da analise critica da obra construída,
“no depois”. A coerência arrefeceu nos flashes de uma vontade
descomprometida. No esquecimento reside o papel do mérito fotográfico, onde
está recolhido o olhar do fotógrafo. A sua capacidade comunicativa será
fundamental para o verdadeiro entendimento da realidade objectivada.
A fotografia de arquitectura
sem um enquadramento artístico ou jornalístico permite-lhe navegar em terra de
ninguém, conduzindo o fotógrafo à manipulação de uma verdade por nós
desconhecida e provavelmente nunca comprovada. A leitura fotográfica acrítica,
em negação da imagem propagandista onde o reconhecimento autoral é assumido,
não passa de um conceito estético enquanto meta inacessível. O star
system da arquitectura não abdica da “conclusão” da sua obra sem o
olhar do “autor” fotógrafo, impondo este, uma marca própria, formatando ou
ficcionando a obra ao seu jeito. Por outro lado, essa mesma personalização
tenderá, perversamente, a homogeneizar também o modo como vemos o “estilo” das
diferentes arquitecturas. Actualmente, a vontade de ser reconhecido entre
muitos, faz da encomenda da reportagem fotográfica como o mais eficaz veiculo
de difusão cultural e massificação mediática entre profissionais, estudantes e
demais interessados no tema. Entre arquitectos, a qualidade final da obra é
esbatida no “traço” do disparo do fotógrafo. O papel e influência que alguns fotógrafos
desenham entre editores e revistas da especialidade delimitam um star
system em que a qualidade da obra provavelmente não corresponde aos
pergaminhos que o enquadramento fotográfico e editorial potenciam. Perante
nefasta realidade, o monopólio da mediatização tem de ser interpretado e
clarificado no escrutínio da qualidade. A dúvida subsiste!
05/04/13
Trude: o tecido urbano na etnologia da solidão
Fotografia de Tuca Vieira, São Pitersburgo 2006.
“Se ao tocar terra em Trude não tivesse lido o
nome da cidade escrito em grandes letras, pensaria que havia chegado ao mesmo
aeroporto donde partira. Os subúrbios que me fizeram atravessar não eram
diferentes dos outros, com as mesmas casas amareladas e esverdeadas.” [1]
O
território urbano por nós entendido de qualificado vive desde os finais do
século passado um permanente processo de homogeneização nas suas capacidades de
conforto habitacional, qualidades estilísticas e conceptuais. Apesar de devolver
diferenças organizacionais devido a processos com base em especulação
imobiliária e conquista de territórios, as vivências internas revelam processos
cada vez mais intensos de uniformidade. Os materiais construtivos,
artificialização de climatização e redes de informação possibilitaram ao mesmo
edifício a sua edificabilidade em qualquer lugar, sem alterações construtivas,
estéticas e funcionais. A casa, qualquer feitio que ela tome, pode ser
concebida como um aparelho para morar ou como um monumento a ser apreciado de
fora. No entanto, para quem habita e enquanto a habita, a casa não é utensílio,
tal como os demais entes. A casa tem, como o próprio mundo, uma natureza
pré-objectal, ela é concebida como uma parte do mundo, mas exactamente aquela
parte em que nos podemos sentir relativamente abrigados.
O
habitar contemporâneo evoluiu para uma lógica de espaços reduzidos, no entanto
sem diferenças substanciais na organização e dinâmica vivencial interior. Se o
apetite pelo centro a isso obrigou, a cultura consumista e a exposição aos
meios de comunicação potenciam novas formas de gestão do programa residencial.
Os visionários do movimento moderno encontram na nossa contemporaneidade os
erros das suas certezas. Partindo de um ponto crucial, a família ideal que nos
anos 20 do séc. XX tanto nos fizeram crer, já não existe! As necessidades
standard diluiram-se pelas diversas estruturas familiares, grupos sociais e
exigências profissionais. Pensar a cidade como cultura não supõe um relato
épico, uma narração do acto fundador, um inventário das tradições ou até mesmo
uma catalogação dos costumes. É precisamente a renúncia na procura de
linguagens comuns, costumes e identidades à maneira do etnógrafo
Neste
processo considera-se que a cultura urbana assim como a cidadania definem o ethos da nossa modernidade. Opção de
vida concretizada em projectos reconhecidamente construídos sobre um tecido
cultural complexo e interligado. Se o movimento é constante, as redes de
transportes são aglutinadoras do tempo e movimento físico. O movimento adquiriu
nas ultimas décadas a virtualidade. A cidade física vive de layers que talvez
ainda não compreenda. Debate-se com a definição dos limites físicos onde
procura encontrar um sistema diferencial que possa determinar os limites entre
o urbano e a envolvente, enfrenta uma nova e determinante realidade o movimento
aliado aos meios de comunicação.
A
arquitectura e o urbanismo não devem pedir na nossa contemporaneidade soluções
a níveis globais - questionando soluções locais - não deixa de ser pertinente
realçar o papel que o arquitecto tem perante os contornos que as nossas cidades
enfrentam no seu sentido cada vez mais macro e metropolitano, como também na
definição das respostas perante o
desenvolvimento urbano. O arquitecto não conhece o novo habitante e procura
através da inovação formal respostas a problemáticas de cariz funcional e
programático. Erradamente ignora as necessidades do homem urbano, oferecendo
estratégias desadequadas ao modus vivendi
citadino. No entendimento de Bachelard, “a
casa é um corpo de imagens que dão ao homem razões ou ilusões de estabilidade” [2],
talvez aqui se resumam as questões centrais das habitações nos centros das
cidades. O crescimento em altura promoveu a construção de maior numero de
unidades habitacionais por metro quadrado, obrigando consequentemente a sua
diminuição espacial interior. Se nas últimas décadas vivemos eras de
consumismo, onde o culto do objecto gerou seres recolectores, uma “consumer culture has placed a high value on
produt variety” [3] e ”une architecture ignoirante de ses moyens
spécifiques, cache sa misère en se vendant á l'índustrie, en s'ídentifiant la
l'object et, adorant le veau d'or automobile, fuit la responsabilité de la
prévision de son futur en devenant mobile”[4],
o desenvolvimento digital conseguiu devolver ao espaço o seu lugar e tornou-o
agora sim habitável. As bibliotecas mutaram-se em bytes, o ter no usufruir, o estar no “poder ir” e o telefone na máquina
de tele-transporte. A cama, a web e um recipiente de lixo serão os objectos
fundamentais da casa do futuro na óptica de Toyo Ito[5],
apesar desta perspectiva intimista Eisaku Ushida entende por outro lado que a
era digital inverteu a lógica do eixo interior/exterior, definindo que a casa
is “now found scattered around the city,
and communication now takes place not only in a physical place but also in
electronic space.” [6]
Talvez este carácter de nómada urbano de Toyo Ito, de uma vida dispersa pelos
diferentes eixos da cidade, onde os ginásios e piscinas substituem a casa de banho,
o fast-food pela cozinha, os cybercafés a sala de estar e os parques as
varandas e terraços, dinâmica que gera espaços “privados” cada vez mais
fragmentados e diluídos pelo aglomerado urbano a que chamamos cidade. Futuro
que Augé profetiza: “haverá então lugar,
no futuro, há talvez já lugar hoje, apesar da contradição aparente dos termos,
para uma etnologia da solidão.”[7]
“Porquê vir a
Trude?, interrogava-me. E já queria partir. - Podes apanhar o avião quando
quiseres – disseram-me, - mas vais chegar a outra Trude, igual ponto por ponto,
o mundo está coberto por uma única Trude que não começa nem acaba. Só muda o
nome do aeroporto.” [8]
[1]
Calvino,
Italo, As Cidades Invisíveis, Editorial Teorema, 2ª edição, 1996, pag 131
[2]
Bachelard, Gaston A poética do Espaço,Martins
Fontes, são Pulo, 1989, pag 36
[3] Thomas, Ann, No
Man´s Land, Thames &Hudson,2001,pag 20
[4]
Parent,
Claud, Architecture Principe 66,Les Éditions de
Límprimeur,1996,pag 80
[5]
Ito ,Toyo,
Forum Internacional, mutações, habitações e fluxos, Barcelona 96
[6]
Ushida,
Eisaku, Forum Internacional, mutações, habitações e fluxos, Barcelona 96
[7]
Augé, Marc,
Não Lugares, Bertrand Editora, 2ªedição,1998, pag 125
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