O
lugar do arquitecto enquanto actor responsável na definição e determinação da
composição urbana, é entendida por muito de espaço de responsabilidade e
embebido de uma auréola “social”. O papel social é determinado ou entendido, por
estes, no enquadramento de um valor acrescentado, algo mais do que aquilo que
lhe é intrínseco enquanto executor dos actos próprios da profissão. Nada mais
errado! Teremos de colocar em cima da mesa conceitos que estão inerentes à
responsabilidade dos actos da profissão e a princípios éticos que devem reger
as nossas tomadas de posição enquanto profissionais. O poder intervir no espaço
urbano e dessa forma alicerçar os níveis de qualidade de vida de uma comunidade
em patamares superiores ou a introdução de processos tectónicos sustentáveis na
edificabilidade da construção, não faz do arquitecto mais social do que os
demais! O “social” é um problema de consciência e responsabilidade com o qual
nos deparamos diariamente, contudo o conceito está na ordem do dia, em conferências,
media e discussão no seio dos arquitectos. O paradigma mudou e o eco cedeu o
lugar ao social. Os chavões da “sustentabilidade”, “ecologia”, “reciclar”,
“reutilizar” dão hoje lugar à “participar”, “activismo”, “liberdade”,
“comunidade” e “democracia”. A nossa realidade é pródiga neste tipo de
processos de participação, onde o Serviço Ambulatório de Apoio Local (SAAL) foi
importante na década de 70. O arquitecto à época encontrou condições sociais e
politicas que permitiram o desenvolvimento de uma arquitectura sustentada em
processos de participação das comunidades. Face à actual emigração e a
disseminação de arquitectos por territórios com poucos recursos económicos
(Ásia e África), esta nova geração passados 40 anos, volta a poder desenvolver
arquitectura substanciada em processos de partilha e construção conjunta com as
comunidades. Através da análise e entendimento da comunidade em processos de
participação activa, devemos reconhecer e valorizar o património humano e
físico destes novos territórios de gente. A transformação social implica
envolvimento.
27/09/14
26/09/14
O Regresso às aulas
Os ciclos são para se cumprir e é nesse dever que as regras se instituem. Na actualidade a insustentabilidade da profissão do arquitecto prende-se sobretudo por uma fraca valorização de si mesma e na inaptidão de se tornar desejável a privados ou ao Estado. Houve épocas em que a sua instrumentalização por intermédio do Regime, apesar de manipulada através de logicas propagandísticas, permitiu valorizar o seu papel na sociedade e capacitar o papel dos ateliers e dos arquitectos do Estado perante uma sociedade analfabeta e sem recursos culturais e económicos.
Poderemos supor que o reduzido número de arquitectos, fora do leito do Estado, conseguiria dar resposta à escassa encomenda de clientes abastados e com formação nas décadas de 40 e 50 do séc.XX, tendo produzido obras de elevado relevo e importância na história da arquitectura portuguesa. Os portugueses nascidos após a década de 70 apresentam na sua maioria formação superior, contudo não conseguem perceber a mais valia que o arquitecto poderá produzir no habitar e sustentabilidade da sua habitação ou na qualificação do espaço urbano. A construção vernacular, pensada por não arquitectos apenas teve o seu fim há duas gerações atrás, atravessando o país um hiato onde a fraca construção sustentada em fins economicistas e sem regulamentação flagelou o país de Norte a Sul. A lógica de “biscate” na construção tem de ser eliminada definitivamente com a imposição/obrigatoriedade de arquitectos que pensem o habitar e as suas normativas. Com os actos próprios da profissão ocupados por outros técnicos e perante o elevado número de profissionais no país, permite-se o esmagamento de honorários com avizinhações de situações próximas de “dumping”, com consequente depreciação da profissão e da qualidade final. Nas últimas décadas, a política percebeu novamente que a arquitectura poderia ser um motor de produção de ícones culturais e os fundos europeus permitiram a construção de equipamentos em todos os concelhos do país. A arquitectura ex-libris, tornou-se apetecível para jovens a caminho do ensino superior. Esta conjuntura
que produziu obra significativa em quantidade e qualidade gerou a proliferação de cursos no ensino superior em resposta às supostas necessidades, tendo como consequência actual, os 22.000 arquitectos sem perspectivas de futuro. A actual insustentabilidade financeira dos ateliers, face à falta de encomenda, gera a incapacidade de absorver novos colaboradores, potenciando a viagem para países estrangeiros de recém licenciados ou de jovens arquitectos em início de carreira. Reconhecem-se as dinâmicas de marketing e sensibilização empreendidas por quem gere e organiza a classe, contudo o esforço terá de ser renovado em estratégias mais incisivas ao nível legislativo, com propostas impositivas de salvaguarda e protecção dos actos próprios da profissão.
Após 5 anos da aprovação da Lei 31/2009 de 3 de Julho que revogava o velho Decreto 73/73, está a mesma em revisão! As propostas de lei em apreciação produzem recuos significativos, o que não augura nada de bom para os arquitectos ainda em território nacional. Talvez tenhamos de voltar a estudar a matéria e não voltar a chumbar no exame!
20/05/14
Eduardo Paiva Lopes, a autoria é património
Revista Anteprojectos - Edição de Maio de 2014
A
25 de Julho de 1967, o chefe de Estado, Almirante Américo Thomaz acompanhado de alguns ministros e do
General França Borges, à época, presidente da Câmara Municipal de Lisboa,
inaugurava as piscinas municipais dos Olivais em Lisboa com pompa e circunstância. Inauguração com grande festa e demonstrações de natação, ainda a tempo de
receber, dias depois, o Torneio das Seis Nações (com a participação da Bélgica,
Espanha, Noruega, País de Gales, Suíça e Portugal). Aníbal Barros da Fonseca e
Eduardo Paiva Lopes, pais do projecto, não poderiam estar mais felizes com a
concretização das primeiras piscinas municipais na cidade de Lisboa. O projecto
era composto por uma piscina de 50 metros com condições olímpicas para receber
competições internacionais, um tanque de saltos acompanhado de uma estrutura de
para saltos de desenho relevante e singular, e um edifício de apoio para
balneários, serviços, maquinaria e manutenção. Mais tarde, Keil do
Amaral e José Pessoa desenhavam os complexos do Campo Grande e do Areeiro respectivamente,
proporcionando à cidade, para além de equipamentos dotados de qualidade
funcional, obras de relevância estética.
Contudo,
e perante o quadro dos arquitectos descritos, gostava de dar relevância ao
arquitecto Eduardo Paiva Lopes. A sua intervenção nas piscinas dos Olivais é
notável, sabendo que não muito longe dali, projectou em conjunto com mais três
colegas os edifícios do Hotel Lutécia, do Teatro Maria Matos e do Cinema King.
Também aqui, à imagem dos Olivais, um conjunto de equipamentos de qualidade,
facto agora assinalado a quando do levantamento do património arquitectónico do
séc.XX. O processo de levantamento acabou por se tornar numa ferramenta de
protecção, preservação e defesa deste património, datado mas com qualidade
“vintage”. Em 2006 e 2007, a arquitecta Helena Roseta no seu papel enquanto
vereadora levantou a sua voz na defesa da obra dos Olivais, apeasar do esforço,
a futura intervenção, através do projecto de origem castelhana para
reestruturação do actual “Complexo Desportivo dos Olivais” traduzir-se-à na
completa desfiguração e desrespeito pelo objecto original.
Recentemente
fui confrontado com a possível demolição de outro edifício da autoria de
Eduardo Paiva Lopes, a casa dos Magistrados na cidade do Fundão. Edifício residencial
que servia de residência aos magistrados colocados na Comarca do Fundão. Prédio
localizado na avenida central, em propriedade total com dois pisos de uso
independente. Apresenta uma fachada poente com sistema de portadas em madeira
muito interessante e inovador na região, apresentando uma orgânica funcional na
procura da luz e na gestão das dinâmicas quotidianas. Peça de valor
inquestionável e que vive, também ela, no impasse da demolição. Perante esta
afronta à dedicação e memória de Eduardo Paiva Lopes, vale o prémio Valmor
atribuído pelo município de Lisboa, ao edifício do banco Credit Franco Portugais no já longínquo ano de 1985.
28/04/14
A moradia Florida ou casa Eva, Fundão
A revista EVA, referência editorial nacional entre as décadas de 30 e 60
do séc. XX, através de uma periodicidade semanal aborda temas como a moda
feminina, cosmética, decoração e a vida social do país inclusive a monarquia
europeia. No intuito de alavancar vendas e projectar a sua visibilidade sobre o
grande público, oferece através de sorteio por cupões, variados objectos ou utensílios
de prata, casacos de “vison” ou até mesmo automóveis. Luís Cristino da Silva por
esta altura (década e 30) via o cineteatro Capitólio terminado, iniciando um
arranque fulgurante da sua carreira profissional. O arquitecto encontra
visibilidade em jornais de época e algumas revistas “socialites”. A linha
editorial da revista EVA descobre nesta nova arquitectura
"Modernista", ligeiramente internacionalista e imbuída das novas
ideias racional-funcionalistas que por esta altura atravessavam a Europa, um
meio para se iniciar no seio dos leitores masculinos e alargar o seu espectro
editorial de referência social. No decorrer do Natal de 1933, ainda nos
rescaldos do fim do regime ditatorial militar e numa perspectiva de nova vida
cívica em torno da aprovação da Constituição, surgia no panorama arquitectónico
nacional, talvez dos casos mais inusitados da sua história. A revista EVA no
seu número de Natal sorteia uma moradia a construir pela construtora Amadeu Gaudêncio
com projecto de autoria de Luís Cristino da Silva. O sorteio funciona num
esquema claro e sem espaço para malabarismo: o felizardo que possua a revista em
que o número do seu cupão coincida com o primeiro prémio da lotaria nacional do
natal de 1933 terá a oportunidade de construir a respectiva casa sem encargos,
em terreno na sua localidade natal. Caiu a sorte a uma família da vila do
Fundão na Beira Baixa.
O que
torna a situação singular é o facto de o projecto surgir no interior da revista
através de perspectivas, desenhos em sistema axonométrico e plantas, concebido
sem prévia definição de lugar ou enquadramento. É construído com reduzidas alterações
apesar do lote de terreno não apresentar as configurações pré-estabelecidas no
projecto inicial. Apesar desta atitude projectual “moderna”, a estética
"tradicionalista" de cariz neo-conservador atravessará toda a década
de 30 do séc. XX, consolidando-se posteriormente em torno de si uma discussão
ao nível de uma doutrina pro-regionalista sustentada mais visivelmente por Raul
Lino nas suas “Casas Portuguesas” de 1933. Está estética vinga e consolida-se
com o Estado Novo. Apesar da conjuntura e a estória em torno da sua construção,
a casa Florida, mais conhecida por casa EVA, acaba por se revelar como um dos edifícios
mais interessantes do “modernismo” fundanense sustentado por outras obras de
Carlos Ramos, Eduardo Paiva Lopes ou Pires Branco.
Nós, os da arquitectura social
Por estes dias, o
panorama social e económico oferece uma difícil realidade para todos aqueles
que vivem e sobrevivem da arquitectura, como de pão para a boca. Muito se fala
da emigração obrigatória para quem ainda procura continuar a viver das plantas
e das maquetas ou da opção na senda de outros caminhos, diametralmente opostos,
para os desanimados com a realidade da própria profissão. As dificuldades na
construção, com a consequente diminuição da encomenda, permitiu deixar o
elevado número de profissionais no território nacional desalojados de trabalho
e perspectivas. Perante este cenário, acresce mais um factor descuidado pela
opinião pública e mais propriamente pela própria classe: a dificuldade em
perceber no seio dos arquitectos que os mesmos, perante a ambição da autoria,
não conseguiram entender que era na associação e na criação de grandes
escritórios de associados que estava o caminho para o sucesso. Por outro lado,
o ensino das últimas décadas, alicerçado por professores na sua maioria com
escritórios próprios, estruturou profundamente o pensamento dos alunos nesse
anseio da arquitectura de autor.
A dificuldade na
associação não se encontra nesta nova geração que face às dificuldades teve de
reconhecer e enveredar por este caminho. Dos arquitectos não emigrantes
sobrevivem por cá: os “agarrados” ao ensino, os com ancoras à encomenda
estrangeira em particular das Áfricas, os que em boa hora se associaram e
criaram forças suplementares ou os que se reinventaram dentro do universo da
arquitectura.
Quando se fala em
reinventar, não passa obrigatoriamente por encontrar novos caminhos fora da
profissão. Sou crente que a nossa formação nos apetrechou de uma série de
ferramentas que nos permitem descobrir fórmulas para desenvolver trabalho fora
do espaço do escritório em áreas como a cenografia, curadoria, gestão cultural,
desenvolvimento de projectos expositivos, pedagogia, divulgação cultural,
ilustração, organização de eventos, elaboração de artes aplicadas, de
certificação energética, avaliação imobiliária, consultoria, gestão de obra,
topografia, entre outras… ou até mesmo o desenvolvimento de projectos sociais
das mais diversas naturezas. A exposição Tanto Mar, actualmente patente no
Centro Cultural de Belém, revela na sua génese uma panóplia de intervenções em
todo o mundo com forte carácter social. Algumas das intervenções são
desenvolvidas por escritórios sediados em território nacional, outras providas
das dificuldades de quem teve de emigrar para se sustentar, contudo encontrou
nessa nova realidade espaço e oportunidade para desenvolver projectos (não
obrigatoriamente de arquitectura) comungando com as comunidades locais um
futuro mais risonho.
Temos de encarar
este futuro incerto numa perspectiva aberta, sem esperar que uma Ordem, muito
pouco musculada, possa ser auxílio ou que governantes possam instruir alavancas
no universo da construção. Perante este cenário, se ao leitor enquanto
arquitecto este discurso soar a ridículo e desprovido de contexto ou de senso
na realidade, carpe diem!
19/02/14
As roças de São Tomé e o Café
A investigação, agora publicada, de Rodrigo
Rebelo de Andrade e Duarte
Pape, talvez seja a mais
interessante novidade editorial dentro da esfera da arquitectura. O que mais
surpreende nesta aposta é a forma como o trabalho de investigação foi
“manipulado”, se por um lado a editora não deixou de transformar o estudo dos
dois arquitectos num valioso instrumento de trabalho para estudantes e
arquitectos, por outro proporciona aos amantes de África e da história colonial
portuguesa um binóculo sobre o arquipélago. Esta abordagem agora publicada,
assume uma rotura com o universo de publicações antes produzido sobre a arquitectura
luso-colonial africana quase exclusivo a Angola e Moçambique. Territórios como
Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe apesar das incursões de Ana Vaz
Milheiro e Eduardo Costa Dias, ainda estão por descobrir. Este documento mais
do que um inventário, tal como assumem os autores no seu sexto capitulo, é
fundamentalmente um enquadramento do café no arquipélago e em toda a orgânica
tipológica e programática neste contexto social gerado em torno desta
“especiaria”. As roças no seu edificado representam uma época auspiciosa de um
legado desenvolvido com diversidade formal e de escolha acertada dos materiais
no desenvolvimento da construção. Para além dos 122 exemplos identificados, o
enquadramento geográfico explanado permite uma leitura num perfil historicista
mais adequado às relações sociais e económicas ali desenvolvidas. Perante um
património pouco preservado e sem qualquer cuidado governamental, os autores
perspectivam o caminho a travar, apostando fundamentalmente em processos de
recuperação e preservação da riqueza patrimonial encontrada. Publicação de
leitura fácil e de valor incomensurável não só pela descoberta de tão
“distante” e valioso património como pela consubstanciação de um extraordinário
legado fotográfico do arquitecto e fotógrafo Francisco Nogueira. Assumo paralelamente a mesma perspectiva de
José Manuel Fernandes no seu prefácio, onde menciona que esta obra representa o
estudo editado “mais aprofundado, inovador, esclarecido e polifacetado” sobre o
tema das roças em São Tomé e Príncipe. Para o leitor-arquitecto fica a faltar o
registo técnico detalhado ou levantamento circunstancial ajustado às suas
expectativas. A estrutura e beleza das “Roças de São Tomé e Princípe”,
permite-nos a espera por mais um degrau na investigação, posteriormente com a
coordenação de José Manuel Fernandes neste belíssimo trabalho conjunto de três
jovens arquitectos da geração que agora emigra.
24/01/14
Adequar, projectando para a contemporaneidade
Quando falamos de reabilitação ou até mesmo de reconstrução, rapidamente
nos salta à memória o complexo programa de “Modernização das Escolas do Ensino
Secundário” que tanta tinta fez correr na comunicação social pelas mais
diversas razões e enquadramentos. Contudo, apesar de todas as suas
vicissitudes, podemos considera-lo, talvez o mais importante exemplo de
reabilitação em grande escala que se desenvolveu no nosso país. A escolha
directa pelo Parque Escolar, dos gabinetes projectistas que iriam pensar as
novas intervenções possibilitou a introdução de estratégias projectuais
diferenciadas muito pelo percurso de cada gabinete. A negação da solução
imediata de deitar a abaixo e erguer de novo permitiu e obrigou ao
desenvolvimento de estratégias de reorganização funcional, ajustamento dos
espaços exteriores com permeabilidades com áreas de reunião e convívio ou até
mesmo na definição de frentes urbanas (o caso da escola D. Pedro V em Lisboa pelas mãos do arquitecto Ricardo Back Gordon) com base em processos
fundamentalmente de adição com base em regras clássicas. A dificuldade em
pensar a reabilitação do edificado com as escolas em funcionamento foi exigente
para os gabinetes projectistas na medida em que, apesar das dificuldades
inerentes, conseguiram na sua generalidade promover opções estéticas cuidadas e
apropriadas na ligação e enquadramento do antigo com o novo. É nesta relação
que se encontram os exemplos mais felizes nomeadamente a escola Secundária D.
Dinis pela equipa do ateliê de Ricardo Back Gordon ou a Escola Secundária Josefa de
Óbidos pelo Atelier Central do arquitecto José Martinez e arquitecto Miguel Beleza. Muito para
além das opções estéticas, na grande maioria dos casos, as preocupações do
ponto de vista ambiental foram tidas em linha de conta, conseguindo promover
desempenhos energéticos controlados e adequados à realidade de cada contexto e
população residente. Estas novas valências energéticas com a introdução de
energias alternativas permitem, hoje, qualificar o antigo com valências
equiparáveis a novos equipamentos escolares alinhados por normativas europeias.
Com estas soluções integradas ao nível das novas ampliações, desenhos urbanos
entre o novo e o antigo e adequabilidade dos sistemas energéticos integrados, possibilita-nos
assumir o Programa para a reabilitação do Parque Escolar com edifícios
construídos nas mais diversas décadas do séc. XX,
enquanto o motor fundamental na valorização do todo, colocando o aluno como
personagem principal neste novo contexto escolar. Na análise dos diversos
exemplos que hoje temos em mãos percebe-se o diálogo estabelecido entre os vários
intervenientes no processo: arquitecto e engenheiros, o Parque Escolar e as Escolas
na procura das melhores alternativas e promovendo agora, um caderno de encargos
para a promoção de boas práticas na reabilitação de edifícios públicos.
07/01/14
Charters de Almeida: Cartografias, abstração da forma no confronto com o urbano
“... Naquele império, a Arte da
Cartografia atingiu tal perfeição que o Mapa de uma só Província ocupava toda a
Cidade e o Mapa do Império toda a Província. Com o tempo, estes Mapas
desmesurados não satisfizeram e os Colégios de Cartógrafos levantaram um Mapa
do Império e coincidia pontualmente com ele…” (1)
Neste excerto de citação que Jorge Luis Borges vai recuperar às Viajes de Varones Prudentes de Suárez Miranda de 1658, intitulando-o de “Rigor da Ciência”, residem quatro ideias fundamentais do processo criativo de Charters de Almeida: a Cartografia (espaço), os Mapas (síntese), a Cidade (arquitectura) e o Tempo. Na conjugação da complexidade destes temas através da sublime expressão concilia os cosmos nas suas diferentes escalas. Aí reside o talento. Com base na mensuração da distancia reconhece a cidade enquanto contexto de geometrias de riqueza humana, onde a urbe faz mais sentido. Neste esquema de leitura de dentro para fora Charters de Almeida posiciona-se perante o “mundo” adequando as suas lógicas escultóricas em potenciais referencias introdutórias de uma nova realidade. Aqui redefine o espaço, orienta o sujeito numa nova perspectiva urbana. A imposição é assumida mas o lugar respeita-a, opina mas não transgride, reage e constrói O horizonte é lançado para novos limites originais da nova cartografia. Desenham-se novos mapas redefine-se a cidade.
As “peças” pela sua natureza reagem na potência em contextos que o permitem, no entanto é na escassez de recursos que estas elevam a força da sua expressão. Quando Charters de Almeida afirma: «Procuro dizer o mais que posso com o menos possível de elementos», apesar da afirmação se elevar aparentemente contraditória na relação imediata da escala, contudo é na distância e no macro reconhecimento da cidade que o gesto assume a síntese e clarividência.
A abstracção da forma no
confronto com o urbano origina novos conceitos, a matéria e a cor mutam-se,
aclarando a envolvente onde “modulor” é humano e governador da geometria.
Texturas, superfícies e volumes são humanas na diferença como Espiga Pinto
refere, «a geometria está em nós, nos nossos gestos, na nossa mente e na
arquitectura do universo».
A cidade matérica
expressão urbana da convivência humana, é um emaranhado de realidades com recursos
ilimitados conduzidos essencialmente no tacto e na visão. Charter de Almeida
confronta o ruído diário com uma perspectiva luminosa e fracturante. As lógicas
conjugadas diariamente, no confronto, redesenham-se em geometrias puras e
radiosas, oferecendo algo mais além. Este percurso que
atravessa o antes para o imediato ou um empolgante depois. É essencial na
descoberta da obra. O lugar é assumido e construído no inconsciente despontando
a ideia do depois na retaguarda do antes. A integração é total. A transparência
não é matérica, mas expressiva. O tempo dirige uma certa neutralidade clássica
ou naturalidade. O sítio funda-se e o lugar renasce com raízes ancestrais. Só uma consciência
sensível poderia encontrar na negação do monumento a possibilidade de
construção de uma dimensão maior à escala da praça. O posicionamento
referencial é instruído da negação de ostentação, colonizando consequentemente
o lugar. Charters de Almeida
proporciona-nos uma abertura empolgante à cidade devolvendo-nos a proximidade
através da distância e discrição aparente. É talvez nas variadas contradições
que constrói riqueza urbana e desenvoltura estética difícil de obter em
territórios acidentados de acasos e imposições.
Falámos sempre de cidade,
a escultura diluiu-se, cartografou-se...
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