31/10/19

O Muro




“Longos dias têm cem anos” diria Augustina Bessa-Luís quando se tratava de “protelar um assunto, de o fazer amadurecer na lânguida separação do inadiável”! Reconhecidamente são palavras sábias que revelam os constantes desafios que enfrentamos para ultrapassar os “muros” do reconhecimento. No caso concreto do arquitecto José Pires Branco, a adiada aclamação termina aqui! A atribuição do Título de Membro Honorário da Ordem dos Arquitectos vem estabelecer, ainda em vida, uma justa e merecida homenagem! Servem estas palavras, apenas e só, enquanto laurel a uma das figuras mais importantes do panorama artístico do séc. XX na Beira Interior.

José Pires Branco, com formação em Belas Artes inicia a sua actividade na década de 40, partilhando os estiradores com uma geração constituída por arquitectos como Agostinho Ricca, Fernando Távora, José Carlos Loureiro ou Rogério de Azevedo. Após a sua formação, acaba por sediar o seu atelier na cidade do Fundão. Perante um panorama economicamente difícil, com consequente escassez de encomenda de projectos de arquitectura, a escolha do Fundão acabou por ser muito feliz. José Pires Branco consegue encetar um sem número de obras construídas na região, nomeadamente: Externato de Santa Teresinha, Sede do Jornal do Fundão, Casa Albano de Oliveira, Edifício Etra, Marisqueira Sol-e-Dó entre muitos outros não construídos como o Alcambar ou remodelação interior do Casino Fundanense. No levantamento do seu espólio, no arco de tempo entre a década de 50 e 80 do séc. XX, é possível contabilizar quarenta habitações unifamiliares, nove igrejas, oito planos de arranjos exteriores, trinta planos de urbanização e cerca de cinquenta projectos dos mais diversos edifícios de complexidade variada.

O eclectismo de interesses de Pires Branco não se encerrou na arquitectura, construindo um universo muito particular através de tertúlias com Armando Paulouro, José Vilhena e outros intelectuais da clandestinidade do regime de época. Estes encontros foram fundamentais para a criação da Cassiopeia Filmes, que rodou o “7º Pecado” no Jardim das Tílias e ruas da cidade, aliando paralelamente, para além do cinema, actividade no ensino, desenho, gravura, correspondência oficial à RTP e cargos na administração regional.

A sua singularidade é manifestamente representativa da sua importância numa geografia que no seu tempo fora despida de profissionais de arquitectura. Hoje a sua obra é estudada e analisada por permitir desvendar os mistérios do "modernismo" e as transições do vernáculo na construção menos erudita da Beira Interior. Os movimentos em torno da sua obra, que hoje garantem o desenvolvimento de processos de classificação de algumas das suas obras, permitem com segurança definir José Pires Branco como uma das figurais mais importantes da chamada "geração moderna portuguesa".

São estes exercícios de consagração que temos de solidificar pois preservam a memória colectiva de quem dedicadamente construiu cultura... construiu Cidade! Talvez Eugénio de Andrade tivesse razão quando dizia que “Do fundo do tempo, martelava. Contra o muro. Uma palavra.”  Reconhecimento!

25/09/19

As quotas... sempre as quotas!



Em finais do passado mês de Fevereiro, a quando da trigésima terceira reunião plenária do Conselho Directivo Nacional da Ordem dos Arquitectos, foi apresentado/aprovado o projecto de proposta de Regulamento de Organização e Funcionamento das Estruturas Regionais e Locais da Ordem dos Arquitectos (ROFERLOA). Este novo regulamento, com enquadramento jurídico e funcionamento definido em sede estatutária, irá criar, provavelmente, a maior transformação orgânica e funcional na Ordem dos Arquitectos desde que a mesma deixou de ser a Associação dos Arquitectos Portugueses em 1998! Este documento poderá regulamentar transformações significativas nas estruturas de representação local que permitirão desenvolver o aceleramento da tão desejada equidade entre os associados residentes nos dois grandes centros urbanos e o resto do país.

Mandato após mandato, as lamúrias relativas à deficitária representatividade e ingerência dos vários conselhos directivos adensou-se. Fundadas ou não, as queixas são transversais ao longo das duas ultimas décadas: o destino das quotas, a periclitante saúde financeira da Ordem, a pouca proximidade ente arquitectos e conselhos directivos, o privilégio do acesso à disciplina e às formações apenas por quem está próximo das sedes regionais, a inexistência do apoio à prática, a desregulamentação do acesso à profissão, a falta de estratégia na promoção e divulgação cultural entre muitas outras associadas a interesses instalados.

Apesar de o voto ser a nossa maior arma na definição dos caminhos futuros que pretendemos para esta Ordem, não podemos desprezar esta oportunidade na construção de um documento que poderá criar estruturas de organização que irão capacitar todos aqueles que estão “longe”. Capacitação que permitirá promover efectiva representatividade regional e essencialmente local perante entidades públicas e privadas. Uma nova organização que irá construir uma hierarquização musculada que nos aproxime da sociedade civil e nos articule com as mais diversas instâncias.

Nos últimos meses a Assembleia de Delegados da Ordem dos Arquitectos tem promovido diversas sessões de esclarecimento que pretendem consubstanciar a discussão e limar um documento ainda longe de ser consensual. Perante a oportunidade, nós os reis da lamúria, os velhos do Restelo, não aparecemos... Enquanto o processo desliza na fase de audiências aos interessados por entre os pingos da chuva, o mal será menor, contudo é na audição pública que a participação deverá ser robusta, construtiva mas acima de tudo consciente! Se assim não for, não estamos a construir o melhor para nós e para a nossa profissão. Sem participação... Sim é verdade, para quê as quotas?

26/08/19



Pedro Chorão - Inquietação

A exposição “Pedro Chorão – desenhos” expõe sessenta e seis longos passos sobre um caminho coerente e astuto. Uma viagem que constrói um imaginário edificado nas suas origens beirãs e na experiência posterior entre Lisboa, Marrocos e Goa. A transparência desta narrativa é manifestamente evidente, contudo camuflada, em fase mais tardia, sobre caligrafias que se desenham sobre texturas e rendilhados de cores. É aqui que residente a verdadeira natureza de Pedro Chorão, o pintor. 

A delicadeza do traço de Pedro Chorão nos excertos figurativos sobre desenquadramentos espaciais, evoca de modo pueril, fragmentos da sua juventude. Uma memorialística sobre as suas raízes! Por outro lado as referências aos equilíbrios de Dourdill conjugados com a áurea de Morandi permitem desvendar, mais tarde, um academismo consistente e fundamentado sobre o chapéu de Rocha de Sousa. Os exercícios entre colagens e papel impresso com acrílicos e grafite,adensam este sentido cronológico numa extensa repetição de clarividência sobre a sua realidade. Nesta fase, a energia circular de eterno retorno à essência, permite aprisionar os desejos no suporte onde a tridimensionalidade teima em se construir no gesto! Talvez se entenda aqui, neste passo largo, a sua natureza! 

O caminho é longo e largo... 

Sobre um slow motion que se consubstancia sobre frames de viagens, Pedro Chorão retoma o seu caminho nas leituras de Paul Klee onde as Water Pyramids se adensam no sonho. A densidade do espaço é crescente a cada passo e as águas cada vez menos turvas. A delicadeza do papel é inerte à “violência” do acrílico, apesar das direcções da grafite. Este sentido de equilíbrio terreno permite aflorar o retorno ao espaço onde a escala é pêndulo de ouro. São os compromissos que permitem que a sequência persista para alem das partes. A vibração dos volumes em conjunto com as cores de uma outra realidade, produz uma perspectiva sobre layers temporais. Neste jogo de transparências, de sobreposições, de dramatologia, Pedro Chorão evoca um espaço - tempo metafísico profundo que nos permite caminhar para além da sua realidade! Uma peregrinação distinta, estereoscópica. 
...exaltação...
Mar revolto, a oriente nada de novo... tudo! Os azuis, os azuis... os azuis! Um turbilhão de vontades entre brancos, brancos-cinzas e cinzas-brancos, onde o suporte participa como nunca nesta comunhão de crenças. Pedro Chorão, demonstra vitalidade sobre um manto de caligrafias indecifráveis. É na sobreposição de cores, na força do movimento que as atmosferas são pretextos para o diálogo, do “GRIS” ou do BLUE. É neste exercício de sinais pintados que se inscrevem sobre manchas também elas pintadas, que Pedro Chorão escreve um manifesto à pintura. A melodia é cada vez mais intensa e entendida. Desta feita não fora um passo, mas um salto para além do horizonte. Se antes caminhará para além do ser, agora procura entender o mundo.

muros...

O marfim foi deixado para lá das costas e a consciência passou a habitar o papel. Pedro Chorão abriga-se na ortogonalidade e nos cinzas fortes. Contudo não procurou refúgio nas choças beirãs, o betão ganhou expressão e aprisiona agora o visitante. É neste lugar, para além do muro, que ele procura o sentido do eterno retorno. No conforto da composição, representa o espaço e o indivíduo em uníssono, um grito de quotidiano, uma contemplação experienciada.
O habitar é cada vez mais evidente. A abstracção glorificou-se no espaço e o traço deixou de ser veiculo. O papel trespassou definitivamente a realidade e o desenho, nestes sessenta e seis passos, é a sua síntese, a sua inquietação... 

31/07/19


Carlo Sainz e a berma da estrada

Há mais de uma década, em pleno Bairro Alto, entre cerveja e tremoços, discutia com um grande amigo de faculdade os caminhos a lavrar na arquitectura e como desejávamos seguir os nossos percursos profissionais. Entre muitos disparates e armadilhas fonéticas, no intuito de consubstanciar um determinado raciocínio, esse meu amigo, relatava com entusiasmo uma história que faz este ano, tal como a ANTEPROJECTOS, precisamente 25 anos.

Contava ele que na década de noventa, o Mundial de Rallys era intensamente disputado entre três ou quatro figuras de inigualável mérito, nomeadamente Tommi Makinen, Colin McRae, Diddier Auriol ou o Carlos Sainz. O sempre apreciado Rally de Portugal servia como cenário para capas dos diários da altura e em 1995, após um disputado Rally de Portugal, o fabuloso Carlos Sainz, ao volante do não menos fabuloso ícone azul e amarelo, Subaru Impreza 555, sairia vencedor com alguns segundos de vantagem sobre Kankkunen. Terá sido uma prova dura, com muitos problemas de tracção e com diversos embates contra separadores, muros e protecções de berma de estrada. Após a conquista do troféu, no último troço de estrada, Carlos Sainz foi confrontado com uma série de perguntas rápidas, por um jornalista de ocasião. Entre muitas, ao meu amigo, ficou-lhe na memória: “Como conseguiu ser tão rápido e vencer esta prova após tantos embates, saídas e constante circulação nas bermas?” Sainz ainda regado pelo champanhe e com a coroa de flores em ombros respondeu entusiasticamente: “Não é nenhuma estratégia ou táctica na condução para a vitória! É simplesmente porque as bermas também fazem parte da  estrada”.

Ainda hoje não sei se a história é verdadeira ou se é tal e qual como foi contada, contudo, aquilo que retenho é que passados 25 anos, esta história representa para mim, o percurso de vitória da revista ANTEPROJECTOS. Foi nas margens que construiu um percurso sólido alicerçado na estrutura da linha editorial, diferenciado pela diversidade nos artigos de opinião e coerente na firmeza das marcas que ai encontram espaço de divulgação. A sua maior virtude, é o seu eclectismo na representatividade da generalidade das dinâmicas ligadas à indústria da produção de projecto, nunca se refugiando em nichos ou lóbis dominados por um star system démodé. Uma base editorial de peito aberto sobre o mercado onde soube dar significado, permitindo-se representar franjas que carecem de visibilidade. A competição não pode ser esquecida, mas só aqueles que são determinados no seu caminho e na constância das suas acções poderão almejar vencer, pela “berma da estrada”, os desígnios do seu trabalho.

Parabéns à ANTEPROJECTOS.

21/11/16

Gentrificar o Sucesso

Portugal possui um parque habitacional na ordem dos dois milhões de habitações a necessitar de serem reabilitadas, sendo este desafio algo muito interessante a superar. Em 2012, a realização de alterações ao regime jurídico da reabilitação urbana, foi sem dúvida um passo decisivo na consolidação das politicas de ordenamento urbano, nomeadamente nas definições das estratégias de consolidação das vivências dos centros urbanos e na sustentabilidade dos “bairros vividos”. Mais tarde, em 2014, através do Decreto-Lei nº 53/2014, o Estado consolidou esta estratégia, não só na definição de um regime excepcional e temporário que visou a dispensa nas obras de reabilitação urbana, como na sujeição a determinadas normas técnicas aplicáveis à construção. Medida que permitiu e ainda permite o desenvolvimento de projectos imobiliários em contextos difíceis que anteriormente apresentariam significativos entraves, no enquadramento do quadro legislativo em vigor.

Todo este esforço na reabilitação do parque habitacional, tem como objectivos principais a dinamização da reabilitação, em todas as áreas consolidadas, garantindo-se a sua execução para as populações e para as habitações já existentes e não apenas para nichos de mercado. O legislador sempre procurou acompanhar a evolução dos processos de ordenamento do território, nas alterações realizadas no regime jurídico ou na lei de bases da política dos solos, contudo não soube, atempadamente legislar, sobre os fenómenos turísticos, com que os centros urbanos de Lisboa e Porto agora se deparam. Na verdade, o que constatamos actualmente não se aproxima das perspectivas que consubstanciaram as alterações ao regime jurídico. Apesar dos esforços em reabilitar estas áreas desestruturadas com população envelhecidas e carenciadas de novos habitantes, as mesmas sofrem hoje do “factor airbnb”. As novas lógicas de alojamento local reorganizadas por dinâmicas em suporte digital permitiram a democratização para os particulares do negocio “quarto/chambre/room”. A ocupação destas áreas históricas por turistas através de arrendamentos temporários e de curta duração permite gerar uma rentabilidade muito interessante e substancialmente superior aos arrendamentos tradicionais de longa duração. Face ao exposto não é de admirar que o centro histórico do Porto tenha perdido, nos tempos mais recentes, cerca de 35% da sua população residente. A gentrificação destes territórios, culturalmente caracterizados por profundo bairrismo e dinâmicas de interligação familiar, ocorre silenciosamente, com o poder político cego pelos benefícios económicos que o turismo lhe oferece. As estratégias de reabilitação só fazem sentido se sustentadas sobre dinâmicas de equilíbrio entre agentes culturais, turísticos e habitacionais. O reconhecimento das vantagens e o reduzido controle sobre este tipo de negócio, provocou uma natural especulação sobre o mercado de arrendamento nestas zonas, impossibilitando o acesso às gerações mais jovens de habitarem estas zonas.  Será pertinente e urgente, legislação que controle e licencie este tipo de alojamento e que crie equilíbrios nas densidades ocupadas, conseguindo consequentemente o travamento da duplicação anual deste tipo de alojamento, como ocorre actualmente na cidade de Lisboa.Taxar o turismo não é solução é oportunismo!

19/04/16

Duas casas modernas de puro vernacular


A Serra da Estrela sempre foi um território de impossível indiferença e com lógicas e tradições ancestrais. A transumância e as lides das gentes do frio constituíram-se enquanto fonte de construção de estórias e tradições com raízes antigas. O incontornável granito da serra ao ser domado pelo gelo foi a base da construção de “choças” e abrigos de pastores, edificados em frentes recolhidas de montanha com construção de granito e madeira. É com base nestas construções de pastores que as duas casas da Serra da Estrela, desenhadas por Luiz Alçada Baptista na década de 60 do séc. XX demonstram um profundo sentido vernacular, sustentando no carácter o desenho em modelos modernos europeístas, tornando-se num dos mais extraordinários exemplos do modernismo português. As habitações estão carregadas de história relativa à sua família e ao seu incontornável papel no decorrer da vida cultural contemporânea portuguesa onde revelam um legado de valor imaterial de enorme importância. Cumulativamente, as duas casas são também “acompanhadas” por um fabuloso sistema hidráulico centenário de recolha, controlo e transporte das águas por levadas, ajustando todo o empreendimento à singularidade da sua natureza. Perante um enquadramento serrano entre montanhas e uma posição estratégica no território, as casas permitem enunciar um desenho de paisagem equilibrado com uma presença “camuflada” entre árvores, levadas e afloramentos rochosos. Um implantação cuidada, de um desenho generoso na negociação entre a presença do “intruso” e a força da paisagem, revelando o verdadeiro genius loci que o vernacular habilmente nos deixou. Uma resposta inteligente de um desenho arquitectónico complexo, sobre dois hexágonos entre-cruzados e simultaneamente desmaterializados na forma. Uma organização espacial onde se enuncia Frank Lloyd Wright ou Coderch. A casa principal articula dois pisos em 4 níveis de cota diferenciados, açaimando a paisagem no seu interior através de pequenos vãos cirurgicamente ajustados nos paramentos exteriores. Perante a complexidade descrita é desconcertante a fluidez do desenvolvimento e sequência dos espaços, ou na conseguida hierarquização da tipologia nos dois eixos da organização (vertical e horizontal). Se a paisagem e a organização espacial foram detalhadamente trabalhadas, a matéria não foi esquecida. O granito exterior reforça uma expressão solida de dureza serrana contrastando com o minimalismo fragmentado interior através do betão e do enquadramento dos afloramentos rochosos no seu interior. A negação do ângulo recto permitiu a formulação de um contexto habitacional dinâmico mas pejado de artifícios. O mais interessante na corrente “modernista beirã” das construções das décadas de 50 e 60, é denotarem profundas influências com tropicalismos e europeísmos modernos, fundindo-os com leituras baseadas no lugar e na tectónica tradicional. Nas palavras de Kenneth Frampton o pós-modernismo português inconscientemente, (por esta altura e em particular na zona centro de Portugal), constituiu-se no “Regionalismo Critico” acabando mais tarde por Siza Viera ser o seu maior percursor. As duas casas da Serra da Estrela são sem dúvida um caso singular de extraordinária qualidade que merece reconhecimento e nota num território do interior centro do país, onde em outros tempos, a sua qualidade arquitectónica foi força suficiente para que outros não as conseguissem afundar!

05/01/16

Utopias



Perante a estruturação de uma série de premissas num objecto arquitectónico, com base no desafio da corrida contra o tempo, as novas tecnologias viabilizaram a capacidade de resposta assim como a qualidade das mesmas. As novas tecnologias associadas à computação e ao desenho assistido por computador, são hoje uma natureza insofismável. Permitem a desenvoltura do pensamento arquitectónico sobre ferramentas, antes desconhecidas, de estruturação das lógicas de espaço/tempo. A capacidade de execução rápida na construção das realidades pensadas, aliada ao acesso de informação na Internet é hoje matéria de estudo relativamente às consequências que provocam na definição das linguagens globalizantes, nas realidades regionalistas e sobretudo no pensamento arquitectónico contemporâneo. A arquitectura globalizou-se no eixo da informação e degenerou na concepção da sua natureza, hoje as respostas aos desafios actuais são cada vez mais efémeras, portáteis e sem perenidade, talvez por isso, os concursos de ideias nunca fizeram tanto sentido. É nestas dinâmicas de desafio/resposta que poderemos reposicionar o enquadramento social, político e económico da arquitectura perante a nossa sociedade.

A sociedade do espectáculo mutuou-se numa realidade virtual onde o “star system” se descentralizou e adquiriu novos protagonistas. Os papéis foram trocados e agora quem dá as cartas são “ateliês de algibeira” ou de “vão de escada”. A democratização dos papéis dos principais actores estabeleceu-se na corrente das novas tecnologias de informação, permitindo dar voz a qualquer um sem constrangimentos económicos ou sociais. É nestes processos de reorganização do cenário mediático em torno da arquitectura, que  encontramos a importância dos concursos de ideias para quem começa a carreira ou procura encontrar espaço e tempo para reflexões extra contexto de trabalho. Os concursos de ideias sempre existiram e os desafios por si determinados originaram, em alguns dos casos, situações em que as respostas menos consideradas foram as que perpetuaram no tempo. Facto que espraia a importância da decisão e que determina a incoerência que por vezes reina em quem julga. Não obstante, a experiência de nos propormos a considerar uma utopia sobre uma série de premissas para um determinado local, por si só, já mereceu a pena! 

04/01/16

as ideias, as melhores ideias!

Sempre assim foi e talvez, sempre assim será, o universo das artes construiu em torno de si narrativas complexas que desmaterializam o contexto ao seu redor e aí, a arquitectura sempre foi entendida enquanto uma arte completa, assumindo desde sempre um papel fundamental nas reflexões sobre condição humana. Um incontornável barómetro da nossa contemporaneidade e reflexo do desenvolvimento tecnológico no domínio do construir. A sua complexidade sempre indissociável da capacidade criativa de quem desenha e da disponibilidade financeira da encomenda, trilhou caminhos sempre próximos das outras artes, revelando mesmo assim, níveis semelhantes de coerência. O espaço de reflexão contido na arquitectura e gerador de uma estrutura de pensamento dissociado da sua realidade, apesar das retóricas dominantes, sempre convergiu numa análise realista sem perspectivar com segurança o futuro. Se na palavra escrita os caminhos nunca foram traçados sobre “rama verde”, já no campo da “palavra desenhada” os sonhos sempre fluíram na ponta da caneta.

A “não encomenda” sem as normais contingências financeiras, programáticas ou até mesmo estilísticas permitiram ao arquitecto dar passos largos sobre caminhos nunca trilhados. Nesta plataforma do operar em projecto, os concursos de ideias são sem sombra de dúvida o sistema que melhor permitiu o desenvolvimento das repostas mais musculadas no eixo das coordenadas da utopia. Possibilitaram uma liberdade segura mas descomprometida sobre os desafios propostos, gerando soluções que em outro contexto seriam uma impossibilidade.

Perante a estruturação de uma série de premissas num objecto arquitectónico com base no desafio da corrida contra o tempo, as novas tecnologias viabilizam a capacidade de resposta assim como a qualidade das mesmas. As novas tecnologias associadas à computação e ao desenho assistido por computador, são hoje uma natureza insofismável. Permitem a desenvoltura do pensamento arquitectónico sobre ferramentas, antes desconhecidas, de estruturação das lógicas de espaço/tempo. A capacidade de execução rápida na construção das realidades pensadas, aliada ao acesso de informação na internet é hoje matéria de estudo relativamente às consequências que provocam na definição das linguagens globalizantes, nas realidades regionalistas e sobretudo no pensamento arquitectónico contemporâneo. A arquitectura globalizou-se no eixo da informação e degenerou na concepção da sua natureza, hoje as respostas aos desafios actuais são cada vez mais efémeras, portáteis e sem perenidade, talvez por isso, os concursos de ideias nunca fizeram tanto sentido. É nestas dinâmicas de desafio/resposta que poderemos reposicionar o enquadramento social, político e económico da arquitectura perante a nossa sociedade.

A sociedade do espectáculo mutou-se numa realidade virtual onde o “star system” se descentralizou e adquiriu novos protagonistas. Os papéis foram trocados e agora quem dá as cartas são “ateliês de algibeira” ou de “vão de escada”. A democratização dos papéis dos principais actores estabeleceu-se na corrente das novas tecnologias de informação, permitindo dar voz a qualquer um sem constrangimentos económicos ou sociais. É nestes processos de reorganização do cenário mediático em torno da arquitectura,
 que  encontramos a importância dos concursos de ideias para quem começa a carreira ou procura encontrar espaço e tempo para reflecções extra contexto de trabalho. Os concursos de ideias sempre existiram e os desafios por si determinados originaram, em alguns dos casos, situações em que as respostas menos consideradas foram as que perpetuaram no tempo. Facto que espraia a importância da decisão e que determina a incoerência que por vezes reina em quem julga. Não obstante, a experiência de nos propormos a considerar um edifício sobre uma série de premissas para um determinado local, por si só, já mereceu a pena!

As causas sociais e a urgência na resposta às exigências que as mesmas actualmente determinam, são um recurso óbvio e constante para a elaboração de enunciados de concursos de ideias. A natureza das problemáticas socias é motivadora e complexa, sendo consequentemente atractiva para os desafiados. A ideia de resolver o mundo num só gesto é utópico mas aliciante e é ai que incidem as actuais apostas de enunciados de concursos, com convites para encontrar soluções provisórias ou perenes em resposta a acontecimentos naturais ou consequências sociais. O modelo está encontrado e a lógica de resposta num tempo determinado também.


A Ideias Forward enquanto plataforma internacional de concursos de ideias faz jus à estratégia “standard” antes referida, contudo revela-se no quadro das plataformas de concursos enquanto um motor inusitado e profundamente desafiante. A sua substância reside em premissas temporais, talvez se baseie no maior desafio da nossa contemporaneidade, o tempo! A intemporalidade, a perenidade, as memorias, a continuidade, a permanência, a casualidade ou a história são os ingredientes para as provocações propostas. O tempo é condutor e raiz, sobretudo quando os desafios se realizam no decorrer de um dia (24 horas). As diferenças entre o tempo real, o tempo vivido e as representações do tempo são as dificuldades que o homem da ciência e o homem comum se deparam no lidar da sua existência. A aposta em desafios “curta-metragem” proporciona à Ideias Forward a possibilidade de interpretar o “continuum” da história e a sua representação fragmentada em utopias delimitadas num curto “espaço de tempo”. O tempo foge e as representações das ideias ficam para a posteridade. Nos concursos de arquitectura, quase sempre, o que prevalece são as ideias, as melhores ideias! Parabéns Ideias Forward!

(texto na página 122 da arq.a nº 121)


18/08/15

José Pires Branco, um beirão moderno


Em 1948, o primeiro Congresso Nacional de Arquitectura revela primeira vez, uma leitura mais estratificada do pensamento arquitectónico português em relação às propostas do Movimento Moderno. Percebe-se através das atas, uma aceitação da proposta e algumas interpretações reveladores de conhecimento de causa. Duas décadas, onde Carlos Ramos e Keil do Amaral eram duas faces da moeda. Por um lado a força do
academismo clássico das belas artes enraizado em cânones estéticos, e por outro, um sangue novo vanguardista e muito critico à posição actual com uma actuação virada para uma arquitectura de leitura moderada das mais arrojadas vanguardas.
José Pires Branco com formação nas Belas Artes do Porto no decorrer da década de 40, partilha os estiradores com uma geração que vivia esta transição de pensamento. Dos demais, destacam-se os nomes de Agostinho Ricca, Fernando Távora, José Carlos Loureiro ou Rogério de Azevedo. Após a sua formação, parte para Lisboa acabando por sediar o seu ateliê na vila do Fundão em conjunto com arquitectos da sua geração. Perante um panorama difícil economicamente com consequente escassez de encomenda, a escolha do Fundão acabou por ser feliz, na medida em que Pires Branco conseguiu encetar um sem número de obras construídas na região, aliando paralelamente actividade no ensino, cinema, televisão (RTP), desenho, gravura e cargos na administração central. No levantamento do seu espólio, no arco de tempo entre a década de 50 e 80 do séc. XX é possível contabilizar 40 habitações unifamiliares, 9 igrejas, 8 planos de arranjos exteriores, 30 planos de urbanização e cerca de 50 projectos/planos dos mais diversos edifícios de complexidade variada.
Se a sua arquitectura bebia de uma linhagem moderna tropical brasileira, o uso combinado do betão das estruturas entrecruzado com paramentos de granito rebocados no seu interior, produziu uma tectónicidade construída. Estes processos construídos permitiram verdadeiras aproximações ao passado numa procura das raízes vernaculares que a arquitectura popular tradicionalmente produziu. É neste sentido moderado que Pires Branco assume a “linhagem” de pensamento de Keil do Amaral, onde a “enclausura” do interior do país lhe permitiu definir o seu percurso com maior discernimento e sensibilidade pela envolvente construída. 
José Pires Branco afigura-se como uma das figuras mais importantes e interessantes no panorama da arquitectura moderna da região centro interior do país. Com um portfólio inigualável em quantidade e qualidade, a sua capacidade inventiva permitiu desenvolver uma obra ecléctica na produção da escala e versátil nas respostas aos desafios programáticos dos seus clientes. A sua singularidade é manifestamente representativa da sua importância numa geografia que no seu tempo fora despida de profissionais de arquitectura. Hoje a sua obra é estudada e analisada por permitir desvendar os mistérios do "modernismo" e as transições do vernáculo na construção menos erudita da Beira Interior. Os movimentos em torno da sua obra, que hoje possibilitam o desenvolvimento de processos de classificação de algumas das suas obras, permitem com segurança definir José Pires Branco como uma das figurais mais importantes da chamada "geração moderna portuguesa".

03/03/15

na Ordem ou em estado de sítio


A Ordem dos Arquitectos tem desenvolvido um interessante trabalho na defesa intransigente dos direitos dos arquitectos, num sentido único, a defesa da prática exclusiva da arquitectura por indivíduos com formação em arquitectura. Face à eminência de o Estado Português concretizar o monstruoso e intolerável retrocesso de alterar a Lei 31/2009 de implicações constitucionais, a “classe” insurge-se a uma só voz na defesa dos seus direitos. Esta batalha revela enquadramento constitucional sob dois desígnios (artigo 66.º, n.º 2, alínea b e d), nomeadamente o de ordenar e promover a valorização da paisagem”, assim como o de “promover (…) a qualidade ambiental das povoações e da vida urbana, designadamente no plano arquitectónico”. A perspectiva, cada vez menos virtual, de que os actos próprios da profissão voltarão (!), novamente a ser praticados por profissionais sem as necessárias qualificações para o exercício da arquitectura, levará consequentemente, no futuro, ao incumprimento de directivas europeias por parte do Estado Português. Na correspondente directiva n.º 2005/36/CE de 7 de Setembro do Parlamento Europeu, é exigido sem reservas de que os actos próprios da arquitectura deverão ser exclusivos dos arquitectos, contudo o nevoeiro é intenso por terras de Camões. Percebe-se que não é uma questão de visibilidade que produz este retrocesso, mas de uma lógica economicista desprovida dos princípios que regem o nosso bem comum.  A Lei n.º 31/2009 que revogou o famigerado Decreto 73/73  e que consagrou como actos próprios do arquitecto a coordenação de projecto e a direcção e fiscalização de obra e os actos próprios exclusivos, a elaboração e subscrição de projectos de arquitectura, após o período transitório é difícil de entender esta opção do Estado Português. Numa altura em que a profissão passa por um dos momentos mais complicados da sua história, com reflexos na encomenda privada, na inexistência de concursos públicos, com um elevado desemprego ao nível dos mais jovens e não menos importante a emigração constante, permite-nos concluir que os tempos não estão para danças. Perante a desgraça das últimas décadas, hoje é perceptível o constante exercício por parte dos municípios, de remendar tecidos e camuflar desgraças urbanísticas assim como o de preservar e valorizar o património arquitectónico edificado na primeira fase do séc.XX. Não é por acaso que as ultimas décadas pós 25 de Abril foram extraordinariamente aceleradas, o que permitiu que o 73/73 cilindrasse o país numa irrecuperável descaracterização. Perante o abismo, caros arquitectos, apelo aos sinos a rebate pois a procissão já não vai no adro! 

27/09/14

O processo

O lugar do arquitecto enquanto actor responsável na definição e determinação da composição urbana, é entendida por muito de espaço de responsabilidade e embebido de uma auréola “social”. O papel social é determinado ou entendido, por estes, no enquadramento de um valor acrescentado, algo mais do que aquilo que lhe é intrínseco enquanto executor dos actos próprios da profissão. Nada mais errado! Teremos de colocar em cima da mesa conceitos que estão inerentes à responsabilidade dos actos da profissão e a princípios éticos que devem reger as nossas tomadas de posição enquanto profissionais. O poder intervir no espaço urbano e dessa forma alicerçar os níveis de qualidade de vida de uma comunidade em patamares superiores ou a introdução de processos tectónicos sustentáveis na edificabilidade da construção, não faz do arquitecto mais social do que os demais! O “social” é um problema de consciência e responsabilidade com o qual nos deparamos diariamente, contudo o conceito está na ordem do dia, em conferências, media e discussão no seio dos arquitectos. O paradigma mudou e o eco cedeu o lugar ao social. Os chavões da “sustentabilidade”, “ecologia”, “reciclar”, “reutilizar” dão hoje lugar à “participar”, “activismo”, “liberdade”, “comunidade” e “democracia”. A nossa realidade é pródiga neste tipo de processos de participação, onde o Serviço Ambulatório de Apoio Local (SAAL) foi importante na década de 70. O arquitecto à época encontrou condições sociais e politicas que permitiram o desenvolvimento de uma arquitectura sustentada em processos de participação das comunidades. Face à actual emigração e a disseminação de arquitectos por territórios com poucos recursos económicos (Ásia e África), esta nova geração passados 40 anos, volta a poder desenvolver arquitectura substanciada em processos de partilha e construção conjunta com as comunidades. Através da análise e entendimento da comunidade em processos de participação activa, devemos reconhecer e valorizar o património humano e físico destes novos territórios de gente. A transformação social implica envolvimento.

26/09/14

O Regresso às aulas


Os ciclos são para se cumprir e é nesse dever que as regras se instituem. Na actualidade a insustentabilidade da profissão do arquitecto prende-se sobretudo por uma fraca valorização de si mesma e na inaptidão de se tornar desejável a privados ou ao Estado. Houve épocas em que a sua instrumentalização por intermédio do Regime, apesar de manipulada através de logicas propagandísticas, permitiu valorizar o seu papel na sociedade e capacitar o papel dos ateliers e dos arquitectos do Estado perante uma sociedade analfabeta e sem recursos culturais e económicos. 
Poderemos supor que o reduzido número de arquitectos, fora do leito do Estado, conseguiria dar resposta à escassa encomenda de clientes abastados e com formação nas décadas de 40 e 50 do séc.XX, tendo produzido obras de elevado relevo e importância na história da arquitectura portuguesa. Os portugueses nascidos após a década de 70 apresentam na sua maioria formação superior, contudo não conseguem perceber a mais valia que o arquitecto poderá produzir no habitar e sustentabilidade da sua habitação ou na qualificação do espaço urbano. A construção vernacular, pensada por não arquitectos apenas teve o seu fim há duas gerações atrás, atravessando o país um hiato onde a fraca construção sustentada em fins economicistas e sem regulamentação flagelou o país de Norte a Sul. A lógica de “biscate” na construção tem de ser eliminada definitivamente com a imposição/obrigatoriedade de arquitectos que pensem o habitar e as suas normativas. Com os actos próprios da profissão ocupados por outros técnicos e perante o elevado número de profissionais no país, permite-se o esmagamento de honorários com avizinhações de situações próximas de “dumping”, com consequente depreciação da profissão e da qualidade final. Nas últimas décadas, a política percebeu novamente que a arquitectura poderia ser um motor de produção de ícones culturais e os fundos europeus permitiram a construção de equipamentos em todos os concelhos do país. A arquitectura ex-libris, tornou-se apetecível para jovens a caminho do ensino superior. Esta conjuntura 
que produziu obra significativa em quantidade e qualidade gerou a proliferação de cursos no ensino superior em resposta às supostas necessidades, tendo como consequência actual, os 22.000 arquitectos sem perspectivas de futuro. A actual insustentabilidade financeira dos ateliers, face à falta de encomenda, gera a incapacidade de absorver novos colaboradores, potenciando a viagem para países estrangeiros de recém licenciados ou de jovens arquitectos em início de carreira. Reconhecem-se as dinâmicas de marketing e sensibilização empreendidas por quem gere e organiza a classe, contudo o esforço terá de ser renovado em estratégias mais incisivas ao nível legislativo, com propostas impositivas de salvaguarda e protecção dos actos próprios da profissão. 
Após 5 anos da aprovação da Lei 31/2009 de 3 de Julho que revogava o velho Decreto 73/73, está a mesma em revisão! As propostas de lei em apreciação produzem recuos significativos, o que não augura nada de bom para os arquitectos ainda em território nacional. Talvez tenhamos de voltar a estudar a matéria e não voltar a chumbar no exame!

20/05/14

Eduardo Paiva Lopes, a autoria é património

Revista Anteprojectos - Edição de Maio de 2014



A 25 de Julho de 1967, o chefe de Estado, Almirante Américo Thomaz acompanhado de alguns ministros e do General França Borges, à época, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, inaugurava as piscinas municipais dos Olivais em Lisboa com pompa e circunstância. Inauguração com grande festa e demonstrações de natação, ainda a tempo de receber, dias depois, o Torneio das Seis Nações (com a participação da Bélgica, Espanha, Noruega, País de Gales, Suíça e Portugal). Aníbal Barros da Fonseca e Eduardo Paiva Lopes, pais do projecto, não poderiam estar mais felizes com a concretização das primeiras piscinas municipais na cidade de Lisboa. O projecto era composto por uma piscina de 50 metros com condições olímpicas para receber competições internacionais, um tanque de saltos acompanhado de uma estrutura de para saltos de desenho relevante e singular, e um edifício de apoio para balneários, serviços, maquinaria e manutenção. Mais tarde, Keil do Amaral e José Pessoa desenhavam os complexos do Campo Grande e do Areeiro respectivamente, proporcionando à cidade, para além de equipamentos dotados de qualidade funcional, obras de relevância estética.
Contudo, e perante o quadro dos arquitectos descritos, gostava de dar relevância ao arquitecto Eduardo Paiva Lopes. A sua intervenção nas piscinas dos Olivais é notável, sabendo que não muito longe dali, projectou em conjunto com mais três colegas os edifícios do Hotel Lutécia, do Teatro Maria Matos e do Cinema King. Também aqui, à imagem dos Olivais, um conjunto de equipamentos de qualidade, facto agora assinalado a quando do levantamento do património arquitectónico do séc.XX. O processo de levantamento acabou por se tornar numa ferramenta de protecção, preservação e defesa deste património, datado mas com qualidade “vintage”. Em 2006 e 2007, a arquitecta Helena Roseta no seu papel enquanto vereadora levantou a sua voz na defesa da obra dos Olivais, apeasar do esforço, a futura intervenção, através do projecto de origem castelhana para reestruturação do actual “Complexo Desportivo dos Olivais” traduzir-se-à na completa desfiguração e desrespeito pelo objecto original. 
Recentemente fui confrontado com a possível demolição de outro edifício da autoria de Eduardo Paiva Lopes, a casa dos Magistrados na cidade do Fundão. Edifício residencial que servia de residência aos magistrados colocados na Comarca do Fundão. Prédio localizado na avenida central, em propriedade total com dois pisos de uso independente. Apresenta uma fachada poente com sistema de portadas em madeira muito interessante e inovador na região, apresentando uma orgânica funcional na procura da luz e na gestão das dinâmicas quotidianas. Peça de valor inquestionável e que vive, também ela, no impasse da demolição. Perante esta afronta à dedicação e memória de Eduardo Paiva Lopes, vale o prémio Valmor atribuído pelo município de Lisboa, ao edifício do banco Credit Franco Portugais no já longínquo ano de 1985.

28/04/14

A moradia Florida ou casa Eva, Fundão



A revista EVA, referência editorial nacional entre as décadas de 30 e 60 do séc. XX, através de uma periodicidade semanal aborda temas como a moda feminina, cosmética, decoração e a vida social do país inclusive a monarquia europeia. No intuito de alavancar vendas e projectar a sua visibilidade sobre o grande público, oferece através de sorteio por cupões, variados objectos ou utensílios de prata, casacos de “vison” ou até mesmo automóveis. Luís Cristino da Silva por esta altura (década e 30) via o cineteatro Capitólio terminado, iniciando um arranque fulgurante da sua carreira profissional. O arquitecto encontra visibilidade em jornais de época e algumas revistas “socialites”. A linha editorial da revista EVA descobre nesta nova arquitectura "Modernista", ligeiramente internacionalista e imbuída das novas ideias racional-funcionalistas que por esta altura atravessavam a Europa, um meio para se iniciar no seio dos leitores masculinos e alargar o seu espectro editorial de referência social. No decorrer do Natal de 1933, ainda nos rescaldos do fim do regime ditatorial militar e numa perspectiva de nova vida cívica em torno da aprovação da Constituição, surgia no panorama arquitectónico nacional, talvez dos casos mais inusitados da sua história. A revista EVA no seu número de Natal sorteia uma moradia a construir pela construtora Amadeu Gaudêncio com projecto de autoria de Luís Cristino da Silva. O sorteio funciona num esquema claro e sem espaço para malabarismo: o felizardo que possua a revista em que o número do seu cupão coincida com o primeiro prémio da lotaria nacional do natal de 1933 terá a oportunidade de construir a respectiva casa sem encargos, em terreno na sua localidade natal. Caiu a sorte a uma família da vila do Fundão na Beira Baixa.
O que torna a situação singular é o facto de o projecto surgir no interior da revista através de perspectivas, desenhos em sistema axonométrico e plantas, concebido sem prévia definição de lugar ou enquadramento. É construído com reduzidas alterações apesar do lote de terreno não apresentar as configurações pré-estabelecidas no projecto inicial. Apesar desta atitude projectual “moderna”, a estética "tradicionalista" de cariz neo-conservador atravessará toda a década de 30 do séc. XX, consolidando-se posteriormente em torno de si uma discussão ao nível de uma doutrina pro-regionalista sustentada mais visivelmente por Raul Lino nas suas “Casas Portuguesas” de 1933. Está estética vinga e consolida-se com o Estado Novo. Apesar da conjuntura e a estória em torno da sua construção, a casa Florida, mais conhecida por casa EVA, acaba por se revelar como um dos edifícios mais interessantes do “modernismo” fundanense sustentado por outras obras de Carlos Ramos, Eduardo Paiva Lopes ou Pires Branco.

Nós, os da arquitectura social



Por estes dias, o panorama social e económico oferece uma difícil realidade para todos aqueles que vivem e sobrevivem da arquitectura, como de pão para a boca. Muito se fala da emigração obrigatória para quem ainda procura continuar a viver das plantas e das maquetas ou da opção na senda de outros caminhos, diametralmente opostos, para os desanimados com a realidade da própria profissão. As dificuldades na construção, com a consequente diminuição da encomenda, permitiu deixar o elevado número de profissionais no território nacional desalojados de trabalho e perspectivas. Perante este cenário, acresce mais um factor descuidado pela opinião pública e mais propriamente pela própria classe: a dificuldade em perceber no seio dos arquitectos que os mesmos, perante a ambição da autoria, não conseguiram entender que era na associação e na criação de grandes escritórios de associados que estava o caminho para o sucesso. Por outro lado, o ensino das últimas décadas, alicerçado por professores na sua maioria com escritórios próprios, estruturou profundamente o pensamento dos alunos nesse anseio da arquitectura de autor.
A dificuldade na associação não se encontra nesta nova geração que face às dificuldades teve de reconhecer e enveredar por este caminho. Dos arquitectos não emigrantes sobrevivem por cá: os “agarrados” ao ensino, os com ancoras à encomenda estrangeira em particular das Áfricas, os que em boa hora se associaram e criaram forças suplementares ou os que se reinventaram dentro do universo da arquitectura.
Quando se fala em reinventar, não passa obrigatoriamente por encontrar novos caminhos fora da profissão. Sou crente que a nossa formação nos apetrechou de uma série de ferramentas que nos permitem descobrir fórmulas para desenvolver trabalho fora do espaço do escritório em áreas como a cenografia, curadoria, gestão cultural, desenvolvimento de projectos expositivos, pedagogia, divulgação cultural, ilustração, organização de eventos, elaboração de artes aplicadas, de certificação energética, avaliação imobiliária, consultoria, gestão de obra, topografia, entre outras… ou até mesmo o desenvolvimento de projectos sociais das mais diversas naturezas. A exposição Tanto Mar, actualmente patente no Centro Cultural de Belém, revela na sua génese uma panóplia de intervenções em todo o mundo com forte carácter social. Algumas das intervenções são desenvolvidas por escritórios sediados em território nacional, outras providas das dificuldades de quem teve de emigrar para se sustentar, contudo encontrou nessa nova realidade espaço e oportunidade para desenvolver projectos (não obrigatoriamente de arquitectura) comungando com as comunidades locais um futuro mais risonho. 
Temos de encarar este futuro incerto numa perspectiva aberta, sem esperar que uma Ordem, muito pouco musculada, possa ser auxílio ou que governantes possam instruir alavancas no universo da construção. Perante este cenário, se ao leitor enquanto arquitecto este discurso soar a ridículo e desprovido de contexto ou de senso na realidade, carpe diem!

19/02/14

As roças de São Tomé e o Café



A investigação, agora publicada, de Rodrigo Rebelo de Andrade e Duarte Pape, talvez seja a mais interessante novidade editorial dentro da esfera da arquitectura. O que mais surpreende nesta aposta é a forma como o trabalho de investigação foi “manipulado”, se por um lado a editora não deixou de transformar o estudo dos dois arquitectos num valioso instrumento de trabalho para estudantes e arquitectos, por outro proporciona aos amantes de África e da história colonial portuguesa um binóculo sobre o arquipélago. Esta abordagem agora publicada, assume uma rotura com o universo de publicações antes produzido sobre a arquitectura luso-colonial africana quase exclusivo a Angola e Moçambique. Territórios como Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe apesar das incursões de Ana Vaz Milheiro e Eduardo Costa Dias, ainda estão por descobrir. Este documento mais do que um inventário, tal como assumem os autores no seu sexto capitulo, é fundamentalmente um enquadramento do café no arquipélago e em toda a orgânica tipológica e programática neste contexto social gerado em torno desta “especiaria”. As roças no seu edificado representam uma época auspiciosa de um legado desenvolvido com diversidade formal e de escolha acertada dos materiais no desenvolvimento da construção. Para além dos 122 exemplos identificados, o enquadramento geográfico explanado permite uma leitura num perfil historicista mais adequado às relações sociais e económicas ali desenvolvidas. Perante um património pouco preservado e sem qualquer cuidado governamental, os autores perspectivam o caminho a travar, apostando fundamentalmente em processos de recuperação e preservação da riqueza patrimonial encontrada. Publicação de leitura fácil e de valor incomensurável não só pela descoberta de tão “distante” e valioso património como pela consubstanciação de um extraordinário legado fotográfico do arquitecto e fotógrafo Francisco Nogueira. Assumo paralelamente a mesma perspectiva de José Manuel Fernandes no seu prefácio, onde menciona que esta obra representa o estudo editado “mais aprofundado, inovador, esclarecido e polifacetado” sobre o tema das roças em São Tomé e Príncipe. Para o leitor-arquitecto fica a faltar o registo técnico detalhado ou levantamento circunstancial ajustado às suas expectativas. A estrutura e beleza das “Roças de São Tomé e Princípe”, permite-nos a espera por mais um degrau na investigação, posteriormente com a coordenação de José Manuel Fernandes neste belíssimo trabalho conjunto de três jovens arquitectos da geração que agora emigra.

24/01/14

Adequar, projectando para a contemporaneidade


Quando falamos de reabilitação ou até mesmo de reconstrução, rapidamente nos salta à memória o complexo programa de “Modernização das Escolas do Ensino Secundário” que tanta tinta fez correr na comunicação social pelas mais diversas razões e enquadramentos. Contudo, apesar de todas as suas vicissitudes, podemos considera-lo, talvez o mais importante exemplo de reabilitação em grande escala que se desenvolveu no nosso país. A escolha directa pelo Parque Escolar, dos gabinetes projectistas que iriam pensar as novas intervenções possibilitou a introdução de estratégias projectuais diferenciadas muito pelo percurso de cada gabinete. A negação da solução imediata de deitar a abaixo e erguer de novo permitiu e obrigou ao desenvolvimento de estratégias de reorganização funcional, ajustamento dos espaços exteriores com permeabilidades com áreas de reunião e convívio ou até mesmo na definição de frentes urbanas (o caso da escola D. Pedro V em Lisboa pelas mãos do arquitecto Ricardo Back Gordon) com base em processos fundamentalmente de adição com base em regras clássicas. A dificuldade em pensar a reabilitação do edificado com as escolas em funcionamento foi exigente para os gabinetes projectistas na medida em que, apesar das dificuldades inerentes, conseguiram na sua generalidade promover opções estéticas cuidadas e apropriadas na ligação e enquadramento do antigo com o novo. É nesta relação que se encontram os exemplos mais felizes nomeadamente a escola Secundária D. Dinis pela equipa do ateliê de Ricardo Back Gordon ou a Escola Secundária Josefa de Óbidos pelo Atelier Central do arquitecto José Martinez e arquitecto Miguel Beleza. Muito para além das opções estéticas, na grande maioria dos casos, as preocupações do ponto de vista ambiental foram tidas em linha de conta, conseguindo promover desempenhos energéticos controlados e adequados à realidade de cada contexto e população residente. Estas novas valências energéticas com a introdução de energias alternativas permitem, hoje, qualificar o antigo com valências equiparáveis a novos equipamentos escolares alinhados por normativas europeias. Com estas soluções integradas ao nível das novas ampliações, desenhos urbanos entre o novo e o antigo e adequabilidade dos sistemas energéticos integrados, possibilita-nos assumir o Programa para a reabilitação do Parque Escolar com edifícios construídos nas mais diversas décadas do séc. XX, enquanto o motor fundamental na valorização do todo, colocando o aluno como personagem principal neste novo contexto escolar. Na análise dos diversos exemplos que hoje temos em mãos percebe-se o diálogo estabelecido entre os vários intervenientes no processo: arquitecto e engenheiros, o Parque Escolar e as Escolas na procura das melhores alternativas e promovendo agora, um caderno de encargos para a promoção de boas práticas na reabilitação de edifícios públicos.