A Serra da Estrela sempre foi um território de impossível indiferença e com lógicas e tradições ancestrais. A transumância e as lides das gentes do frio constituíram-se enquanto fonte de construção de estórias e tradições com raízes antigas. O incontornável granito da serra ao ser domado pelo gelo foi a base da construção de “choças” e abrigos de pastores, edificados em frentes recolhidas de montanha com construção de granito e madeira. É com base nestas construções de pastores que as duas casas da Serra da Estrela, desenhadas por Luiz Alçada Baptista na década de 60 do séc. XX demonstram um profundo sentido vernacular, sustentando no carácter o desenho em modelos modernos europeístas, tornando-se num dos mais extraordinários exemplos do modernismo português. As habitações estão carregadas de história relativa à sua família e ao seu incontornável papel no decorrer da vida cultural contemporânea portuguesa onde revelam um legado de valor imaterial de enorme importância. Cumulativamente, as duas casas são também “acompanhadas” por um fabuloso sistema hidráulico centenário de recolha, controlo e transporte das águas por levadas, ajustando todo o empreendimento à singularidade da sua natureza. Perante um enquadramento serrano entre montanhas e uma posição estratégica no território, as casas permitem enunciar um desenho de paisagem equilibrado com uma presença “camuflada” entre árvores, levadas e afloramentos rochosos. Um implantação cuidada, de um desenho generoso na negociação entre a presença do “intruso” e a força da paisagem, revelando o verdadeiro genius loci que o vernacular habilmente nos deixou. Uma resposta inteligente de um desenho arquitectónico complexo, sobre dois hexágonos entre-cruzados e simultaneamente desmaterializados na forma. Uma organização espacial onde se enuncia Frank Lloyd Wright ou Coderch. A casa principal articula dois pisos em 4 níveis de cota diferenciados, açaimando a paisagem no seu interior através de pequenos vãos cirurgicamente ajustados nos paramentos exteriores. Perante a complexidade descrita é desconcertante a fluidez do desenvolvimento e sequência dos espaços, ou na conseguida hierarquização da tipologia nos dois eixos da organização (vertical e horizontal). Se a paisagem e a organização espacial foram detalhadamente trabalhadas, a matéria não foi esquecida. O granito exterior reforça uma expressão solida de dureza serrana contrastando com o minimalismo fragmentado interior através do betão e do enquadramento dos afloramentos rochosos no seu interior. A negação do ângulo recto permitiu a formulação de um contexto habitacional dinâmico mas pejado de artifícios. O mais interessante na corrente “modernista beirã” das construções das décadas de 50 e 60, é denotarem profundas influências com tropicalismos e europeísmos modernos, fundindo-os com leituras baseadas no lugar e na tectónica tradicional. Nas palavras de Kenneth Frampton o pós-modernismo português inconscientemente, (por esta altura e em particular na zona centro de Portugal), constituiu-se no “Regionalismo Critico” acabando mais tarde por Siza Viera ser o seu maior percursor. As duas casas da Serra da Estrela são sem dúvida um caso singular de extraordinária qualidade que merece reconhecimento e nota num território do interior centro do país, onde em outros tempos, a sua qualidade arquitectónica foi força suficiente para que outros não as conseguissem afundar!
05/01/16
Utopias
Perante a estruturação de
uma série de premissas num objecto arquitectónico, com base no desafio da
corrida contra o tempo, as novas tecnologias viabilizaram a capacidade de
resposta assim como a qualidade das mesmas. As novas tecnologias associadas à
computação e ao desenho assistido por computador, são hoje uma natureza
insofismável. Permitem a desenvoltura do pensamento arquitectónico sobre
ferramentas, antes desconhecidas, de estruturação das lógicas de espaço/tempo.
A capacidade de execução rápida na construção das realidades pensadas, aliada
ao acesso de informação na Internet é hoje matéria de estudo relativamente às
consequências que provocam na definição das linguagens globalizantes, nas
realidades regionalistas e sobretudo no pensamento arquitectónico
contemporâneo. A arquitectura globalizou-se no eixo da informação e degenerou
na concepção da sua natureza, hoje as respostas aos desafios actuais são cada
vez mais efémeras, portáteis e sem perenidade, talvez por isso, os concursos de
ideias nunca fizeram tanto sentido. É nestas dinâmicas de desafio/resposta que poderemos
reposicionar o enquadramento social, político e económico da arquitectura perante
a nossa sociedade.
A sociedade do espectáculo
mutuou-se numa realidade virtual onde o “star
system” se descentralizou e adquiriu novos protagonistas. Os papéis foram
trocados e agora quem dá as cartas são “ateliês de algibeira” ou de “vão de
escada”. A democratização dos papéis dos principais actores estabeleceu-se na
corrente das novas tecnologias de informação, permitindo dar voz a qualquer um
sem constrangimentos económicos ou sociais. É nestes processos de reorganização
do cenário mediático em torno da arquitectura, que encontramos a importância dos concursos de
ideias para quem começa a carreira ou procura encontrar espaço e tempo para reflexões extra contexto de trabalho. Os concursos de ideias sempre existiram e
os desafios por si determinados originaram, em alguns dos casos, situações em
que as respostas menos consideradas foram as que perpetuaram no tempo. Facto
que espraia a importância da decisão e que determina a incoerência que por
vezes reina em quem julga. Não obstante, a experiência de nos propormos a considerar
uma utopia sobre uma série de premissas para um determinado local, por si só,
já mereceu a pena!
04/01/16
as ideias, as melhores ideias!
Sempre assim foi e
talvez, sempre assim será, o universo das artes construiu em torno de si
narrativas complexas que desmaterializam o contexto ao seu redor e aí, a
arquitectura sempre foi entendida enquanto uma arte completa, assumindo desde
sempre um papel fundamental nas reflexões sobre condição humana. Um incontornável
barómetro da nossa contemporaneidade e reflexo do desenvolvimento tecnológico no
domínio do construir. A sua complexidade sempre indissociável da capacidade
criativa de quem desenha e da disponibilidade financeira da encomenda, trilhou
caminhos sempre próximos das outras artes, revelando mesmo assim, níveis
semelhantes de coerência. O espaço de reflexão contido na arquitectura e
gerador de uma estrutura de pensamento dissociado da sua realidade, apesar das
retóricas dominantes, sempre convergiu numa análise realista sem perspectivar
com segurança o futuro. Se na palavra escrita os caminhos nunca foram traçados
sobre “rama verde”, já no campo da “palavra
desenhada” os sonhos sempre fluíram na ponta da caneta.
A “não encomenda” sem as
normais contingências financeiras, programáticas ou até mesmo estilísticas
permitiram ao arquitecto dar passos largos sobre caminhos nunca trilhados. Nesta
plataforma do operar em projecto, os concursos de ideias são sem sombra de
dúvida o sistema que melhor permitiu o desenvolvimento das repostas mais
musculadas no eixo das coordenadas da utopia. Possibilitaram uma liberdade
segura mas descomprometida sobre os desafios propostos, gerando soluções que em
outro contexto seriam uma impossibilidade.
Perante a estruturação de
uma série de premissas num objecto arquitectónico com base no desafio da
corrida contra o tempo, as novas tecnologias viabilizam a capacidade de
resposta assim como a qualidade das mesmas. As novas tecnologias associadas à
computação e ao desenho assistido por computador, são hoje uma natureza
insofismável. Permitem a desenvoltura do pensamento arquitectónico sobre
ferramentas, antes desconhecidas, de estruturação das lógicas de espaço/tempo.
A capacidade de execução rápida na construção das realidades pensadas, aliada
ao acesso de informação na internet é hoje matéria de estudo relativamente às
consequências que provocam na definição das linguagens globalizantes, nas
realidades regionalistas e sobretudo no pensamento arquitectónico
contemporâneo. A arquitectura globalizou-se no eixo da informação e degenerou
na concepção da sua natureza, hoje as respostas aos desafios actuais são cada vez
mais efémeras, portáteis e sem perenidade, talvez por isso, os concursos de
ideias nunca fizeram tanto sentido. É nestas dinâmicas de desafio/resposta que poderemos
reposicionar o enquadramento social, político e económico da arquitectura perante
a nossa sociedade.
A sociedade do espectáculo
mutou-se numa realidade virtual onde o “star
system” se descentralizou e adquiriu novos protagonistas. Os papéis foram
trocados e agora quem dá as cartas são “ateliês de algibeira” ou de “vão de
escada”. A democratização dos papéis dos principais actores estabeleceu-se na
corrente das novas tecnologias de informação, permitindo dar voz a qualquer um
sem constrangimentos económicos ou sociais. É nestes processos de reorganização
do cenário mediático em torno da arquitectura,
que encontramos a importância dos concursos de
ideias para quem começa a carreira ou procura encontrar espaço e tempo para
reflecções extra contexto de trabalho. Os concursos de ideias sempre existiram e
os desafios por si determinados originaram, em alguns dos casos, situações em
que as respostas menos consideradas foram as que perpetuaram no tempo. Facto
que espraia a importância da decisão e que determina a incoerência que por
vezes reina em quem julga. Não obstante, a experiência de nos propormos a
considerar um edifício sobre uma série de premissas para um determinado local,
por si só, já mereceu a pena!
As causas sociais e a urgência na
resposta às exigências que as mesmas actualmente determinam, são um recurso óbvio
e constante para a elaboração de enunciados de concursos de ideias. A natureza
das problemáticas socias é motivadora e complexa, sendo consequentemente
atractiva para os desafiados. A ideia de resolver o mundo num só gesto é
utópico mas aliciante e é ai que incidem as actuais apostas de enunciados de
concursos, com convites para encontrar soluções provisórias ou perenes em
resposta a acontecimentos naturais ou consequências sociais. O modelo está
encontrado e a lógica de resposta num tempo determinado também.
A Ideias Forward enquanto plataforma
internacional de concursos de ideias faz jus à estratégia “standard” antes
referida, contudo revela-se no quadro das plataformas de concursos enquanto um
motor inusitado e profundamente desafiante. A sua substância reside em
premissas temporais, talvez se baseie no maior desafio da nossa
contemporaneidade, o tempo! A intemporalidade, a perenidade, as memorias, a
continuidade, a permanência, a casualidade ou a história são os ingredientes
para as provocações propostas. O tempo é condutor e raiz, sobretudo quando os
desafios se realizam no decorrer de um dia (24 horas). As diferenças entre o
tempo real, o tempo vivido e as representações do tempo são as dificuldades que
o homem da ciência e o homem comum se deparam no lidar da sua existência. A
aposta em desafios “curta-metragem” proporciona à Ideias Forward a
possibilidade de interpretar o “continuum”
da história e a sua representação fragmentada em utopias delimitadas num curto
“espaço de tempo”. O tempo foge e as
representações das ideias ficam para a posteridade. Nos concursos de
arquitectura, quase sempre, o que prevalece são as ideias, as melhores ideias! Parabéns
Ideias Forward!
(texto na página 122 da arq.a nº 121)
18/08/15
José Pires Branco, um beirão moderno
Em 1948, o primeiro Congresso Nacional de Arquitectura revela primeira vez, uma leitura mais estratificada do pensamento arquitectónico português em relação às propostas do Movimento Moderno. Percebe-se através das atas, uma aceitação da proposta e algumas interpretações reveladores de conhecimento de causa. Duas décadas, onde Carlos Ramos e Keil do Amaral eram duas faces da moeda. Por um lado a força do
academismo clássico das belas artes enraizado em cânones estéticos, e por outro, um sangue novo vanguardista e muito critico à posição actual com uma actuação virada para uma arquitectura de leitura moderada das mais arrojadas vanguardas.
José Pires Branco com formação nas Belas Artes do Porto no decorrer da década de 40, partilha os estiradores com uma geração que vivia esta transição de pensamento. Dos demais, destacam-se os nomes de Agostinho Ricca, Fernando Távora, José Carlos Loureiro ou Rogério de Azevedo. Após a sua formação, parte para Lisboa acabando por sediar o seu ateliê na vila do Fundão em conjunto com arquitectos da sua geração. Perante um panorama difícil economicamente com consequente escassez de encomenda, a escolha do Fundão acabou por ser feliz, na medida em que Pires Branco conseguiu encetar um sem número de obras construídas na região, aliando paralelamente actividade no ensino, cinema, televisão (RTP), desenho, gravura e cargos na administração central. No levantamento do seu espólio, no arco de tempo entre a década de 50 e 80 do séc. XX é possível contabilizar 40 habitações unifamiliares, 9 igrejas, 8 planos de arranjos exteriores, 30 planos de urbanização e cerca de 50 projectos/planos dos mais diversos edifícios de complexidade variada.
Se a sua arquitectura bebia de uma linhagem moderna tropical brasileira, o uso combinado do betão das estruturas entrecruzado com paramentos de granito rebocados no seu interior, produziu uma tectónicidade construída. Estes processos construídos permitiram verdadeiras aproximações ao passado numa procura das raízes vernaculares que a arquitectura popular tradicionalmente produziu. É neste sentido moderado que Pires Branco assume a “linhagem” de pensamento de Keil do Amaral, onde a “enclausura” do interior do país lhe permitiu definir o seu percurso com maior discernimento e sensibilidade pela envolvente construída.
José Pires Branco afigura-se como uma das figuras mais importantes e interessantes no panorama da arquitectura moderna da região centro interior do país. Com um portfólio inigualável em quantidade e qualidade, a sua capacidade inventiva permitiu desenvolver uma obra ecléctica na produção da escala e versátil nas respostas aos desafios programáticos dos seus clientes. A sua singularidade é manifestamente representativa da sua importância numa geografia que no seu tempo fora despida de profissionais de arquitectura. Hoje a sua obra é estudada e analisada por permitir desvendar os mistérios do "modernismo" e as transições do vernáculo na construção menos erudita da Beira Interior. Os movimentos em torno da sua obra, que hoje possibilitam o desenvolvimento de processos de classificação de algumas das suas obras, permitem com segurança definir José Pires Branco como uma das figurais mais importantes da chamada "geração moderna portuguesa".
03/03/15
na Ordem ou em estado de sítio
A Ordem dos Arquitectos tem desenvolvido um
interessante trabalho na defesa intransigente dos direitos dos arquitectos, num
sentido único, a defesa da prática exclusiva da arquitectura por indivíduos com
formação em arquitectura. Face à eminência de o Estado Português
concretizar o monstruoso e intolerável retrocesso de alterar a Lei 31/2009 de
implicações constitucionais, a “classe” insurge-se a uma só voz na defesa dos
seus direitos. Esta batalha revela enquadramento constitucional sob dois
desígnios (artigo 66.º, n.º 2, alínea b e d), nomeadamente o de ordenar e
promover a valorização da paisagem”, assim como o de “promover (…) a qualidade
ambiental das povoações e da vida urbana, designadamente no plano
arquitectónico”. A perspectiva, cada vez menos virtual, de que os actos
próprios da profissão voltarão (!), novamente a ser praticados por
profissionais sem as necessárias qualificações para o exercício da arquitectura,
levará consequentemente, no futuro, ao incumprimento de directivas europeias
por parte do Estado Português. Na correspondente directiva n.º 2005/36/CE de 7
de Setembro do Parlamento Europeu, é exigido sem reservas de que os actos
próprios da arquitectura deverão ser exclusivos dos arquitectos, contudo o
nevoeiro é intenso por terras de Camões. Percebe-se que não é uma questão de
visibilidade que produz este retrocesso, mas de uma lógica economicista
desprovida dos princípios que regem o nosso bem comum. A Lei n.º 31/2009 que revogou o famigerado Decreto
73/73 e que consagrou como actos próprios do arquitecto a coordenação de
projecto e a direcção e fiscalização de obra e os actos próprios exclusivos, a
elaboração e subscrição de projectos de arquitectura, após o período
transitório é difícil de entender esta opção do Estado Português. Numa altura
em que a profissão passa por um dos momentos mais complicados da sua história,
com reflexos na encomenda privada, na inexistência de concursos públicos, com
um elevado desemprego ao nível dos mais jovens e não menos importante a
emigração constante, permite-nos concluir que os tempos não estão para danças.
Perante a desgraça das últimas décadas, hoje é perceptível o constante
exercício por parte dos municípios, de remendar tecidos e camuflar desgraças
urbanísticas assim como o de preservar e valorizar o património arquitectónico
edificado na primeira fase do séc.XX. Não é por acaso que as ultimas décadas
pós 25 de Abril foram extraordinariamente aceleradas, o que permitiu que o
73/73 cilindrasse o país numa irrecuperável descaracterização. Perante o
abismo, caros arquitectos, apelo aos sinos a rebate pois a procissão já não vai
no adro!
27/09/14
O processo
O
lugar do arquitecto enquanto actor responsável na definição e determinação da
composição urbana, é entendida por muito de espaço de responsabilidade e
embebido de uma auréola “social”. O papel social é determinado ou entendido, por
estes, no enquadramento de um valor acrescentado, algo mais do que aquilo que
lhe é intrínseco enquanto executor dos actos próprios da profissão. Nada mais
errado! Teremos de colocar em cima da mesa conceitos que estão inerentes à
responsabilidade dos actos da profissão e a princípios éticos que devem reger
as nossas tomadas de posição enquanto profissionais. O poder intervir no espaço
urbano e dessa forma alicerçar os níveis de qualidade de vida de uma comunidade
em patamares superiores ou a introdução de processos tectónicos sustentáveis na
edificabilidade da construção, não faz do arquitecto mais social do que os
demais! O “social” é um problema de consciência e responsabilidade com o qual
nos deparamos diariamente, contudo o conceito está na ordem do dia, em conferências,
media e discussão no seio dos arquitectos. O paradigma mudou e o eco cedeu o
lugar ao social. Os chavões da “sustentabilidade”, “ecologia”, “reciclar”,
“reutilizar” dão hoje lugar à “participar”, “activismo”, “liberdade”,
“comunidade” e “democracia”. A nossa realidade é pródiga neste tipo de
processos de participação, onde o Serviço Ambulatório de Apoio Local (SAAL) foi
importante na década de 70. O arquitecto à época encontrou condições sociais e
politicas que permitiram o desenvolvimento de uma arquitectura sustentada em
processos de participação das comunidades. Face à actual emigração e a
disseminação de arquitectos por territórios com poucos recursos económicos
(Ásia e África), esta nova geração passados 40 anos, volta a poder desenvolver
arquitectura substanciada em processos de partilha e construção conjunta com as
comunidades. Através da análise e entendimento da comunidade em processos de
participação activa, devemos reconhecer e valorizar o património humano e
físico destes novos territórios de gente. A transformação social implica
envolvimento.
26/09/14
O Regresso às aulas
Os ciclos são para se cumprir e é nesse dever que as regras se instituem. Na actualidade a insustentabilidade da profissão do arquitecto prende-se sobretudo por uma fraca valorização de si mesma e na inaptidão de se tornar desejável a privados ou ao Estado. Houve épocas em que a sua instrumentalização por intermédio do Regime, apesar de manipulada através de logicas propagandísticas, permitiu valorizar o seu papel na sociedade e capacitar o papel dos ateliers e dos arquitectos do Estado perante uma sociedade analfabeta e sem recursos culturais e económicos.
Poderemos supor que o reduzido número de arquitectos, fora do leito do Estado, conseguiria dar resposta à escassa encomenda de clientes abastados e com formação nas décadas de 40 e 50 do séc.XX, tendo produzido obras de elevado relevo e importância na história da arquitectura portuguesa. Os portugueses nascidos após a década de 70 apresentam na sua maioria formação superior, contudo não conseguem perceber a mais valia que o arquitecto poderá produzir no habitar e sustentabilidade da sua habitação ou na qualificação do espaço urbano. A construção vernacular, pensada por não arquitectos apenas teve o seu fim há duas gerações atrás, atravessando o país um hiato onde a fraca construção sustentada em fins economicistas e sem regulamentação flagelou o país de Norte a Sul. A lógica de “biscate” na construção tem de ser eliminada definitivamente com a imposição/obrigatoriedade de arquitectos que pensem o habitar e as suas normativas. Com os actos próprios da profissão ocupados por outros técnicos e perante o elevado número de profissionais no país, permite-se o esmagamento de honorários com avizinhações de situações próximas de “dumping”, com consequente depreciação da profissão e da qualidade final. Nas últimas décadas, a política percebeu novamente que a arquitectura poderia ser um motor de produção de ícones culturais e os fundos europeus permitiram a construção de equipamentos em todos os concelhos do país. A arquitectura ex-libris, tornou-se apetecível para jovens a caminho do ensino superior. Esta conjuntura
que produziu obra significativa em quantidade e qualidade gerou a proliferação de cursos no ensino superior em resposta às supostas necessidades, tendo como consequência actual, os 22.000 arquitectos sem perspectivas de futuro. A actual insustentabilidade financeira dos ateliers, face à falta de encomenda, gera a incapacidade de absorver novos colaboradores, potenciando a viagem para países estrangeiros de recém licenciados ou de jovens arquitectos em início de carreira. Reconhecem-se as dinâmicas de marketing e sensibilização empreendidas por quem gere e organiza a classe, contudo o esforço terá de ser renovado em estratégias mais incisivas ao nível legislativo, com propostas impositivas de salvaguarda e protecção dos actos próprios da profissão.
Após 5 anos da aprovação da Lei 31/2009 de 3 de Julho que revogava o velho Decreto 73/73, está a mesma em revisão! As propostas de lei em apreciação produzem recuos significativos, o que não augura nada de bom para os arquitectos ainda em território nacional. Talvez tenhamos de voltar a estudar a matéria e não voltar a chumbar no exame!
20/05/14
Eduardo Paiva Lopes, a autoria é património
Revista Anteprojectos - Edição de Maio de 2014
A
25 de Julho de 1967, o chefe de Estado, Almirante Américo Thomaz acompanhado de alguns ministros e do
General França Borges, à época, presidente da Câmara Municipal de Lisboa,
inaugurava as piscinas municipais dos Olivais em Lisboa com pompa e circunstância. Inauguração com grande festa e demonstrações de natação, ainda a tempo de
receber, dias depois, o Torneio das Seis Nações (com a participação da Bélgica,
Espanha, Noruega, País de Gales, Suíça e Portugal). Aníbal Barros da Fonseca e
Eduardo Paiva Lopes, pais do projecto, não poderiam estar mais felizes com a
concretização das primeiras piscinas municipais na cidade de Lisboa. O projecto
era composto por uma piscina de 50 metros com condições olímpicas para receber
competições internacionais, um tanque de saltos acompanhado de uma estrutura de
para saltos de desenho relevante e singular, e um edifício de apoio para
balneários, serviços, maquinaria e manutenção. Mais tarde, Keil do
Amaral e José Pessoa desenhavam os complexos do Campo Grande e do Areeiro respectivamente,
proporcionando à cidade, para além de equipamentos dotados de qualidade
funcional, obras de relevância estética.
Contudo,
e perante o quadro dos arquitectos descritos, gostava de dar relevância ao
arquitecto Eduardo Paiva Lopes. A sua intervenção nas piscinas dos Olivais é
notável, sabendo que não muito longe dali, projectou em conjunto com mais três
colegas os edifícios do Hotel Lutécia, do Teatro Maria Matos e do Cinema King.
Também aqui, à imagem dos Olivais, um conjunto de equipamentos de qualidade,
facto agora assinalado a quando do levantamento do património arquitectónico do
séc.XX. O processo de levantamento acabou por se tornar numa ferramenta de
protecção, preservação e defesa deste património, datado mas com qualidade
“vintage”. Em 2006 e 2007, a arquitecta Helena Roseta no seu papel enquanto
vereadora levantou a sua voz na defesa da obra dos Olivais, apeasar do esforço,
a futura intervenção, através do projecto de origem castelhana para
reestruturação do actual “Complexo Desportivo dos Olivais” traduzir-se-à na
completa desfiguração e desrespeito pelo objecto original.
Recentemente
fui confrontado com a possível demolição de outro edifício da autoria de
Eduardo Paiva Lopes, a casa dos Magistrados na cidade do Fundão. Edifício residencial
que servia de residência aos magistrados colocados na Comarca do Fundão. Prédio
localizado na avenida central, em propriedade total com dois pisos de uso
independente. Apresenta uma fachada poente com sistema de portadas em madeira
muito interessante e inovador na região, apresentando uma orgânica funcional na
procura da luz e na gestão das dinâmicas quotidianas. Peça de valor
inquestionável e que vive, também ela, no impasse da demolição. Perante esta
afronta à dedicação e memória de Eduardo Paiva Lopes, vale o prémio Valmor
atribuído pelo município de Lisboa, ao edifício do banco Credit Franco Portugais no já longínquo ano de 1985.
28/04/14
A moradia Florida ou casa Eva, Fundão
A revista EVA, referência editorial nacional entre as décadas de 30 e 60
do séc. XX, através de uma periodicidade semanal aborda temas como a moda
feminina, cosmética, decoração e a vida social do país inclusive a monarquia
europeia. No intuito de alavancar vendas e projectar a sua visibilidade sobre o
grande público, oferece através de sorteio por cupões, variados objectos ou utensílios
de prata, casacos de “vison” ou até mesmo automóveis. Luís Cristino da Silva por
esta altura (década e 30) via o cineteatro Capitólio terminado, iniciando um
arranque fulgurante da sua carreira profissional. O arquitecto encontra
visibilidade em jornais de época e algumas revistas “socialites”. A linha
editorial da revista EVA descobre nesta nova arquitectura
"Modernista", ligeiramente internacionalista e imbuída das novas
ideias racional-funcionalistas que por esta altura atravessavam a Europa, um
meio para se iniciar no seio dos leitores masculinos e alargar o seu espectro
editorial de referência social. No decorrer do Natal de 1933, ainda nos
rescaldos do fim do regime ditatorial militar e numa perspectiva de nova vida
cívica em torno da aprovação da Constituição, surgia no panorama arquitectónico
nacional, talvez dos casos mais inusitados da sua história. A revista EVA no
seu número de Natal sorteia uma moradia a construir pela construtora Amadeu Gaudêncio
com projecto de autoria de Luís Cristino da Silva. O sorteio funciona num
esquema claro e sem espaço para malabarismo: o felizardo que possua a revista em
que o número do seu cupão coincida com o primeiro prémio da lotaria nacional do
natal de 1933 terá a oportunidade de construir a respectiva casa sem encargos,
em terreno na sua localidade natal. Caiu a sorte a uma família da vila do
Fundão na Beira Baixa.
O que
torna a situação singular é o facto de o projecto surgir no interior da revista
através de perspectivas, desenhos em sistema axonométrico e plantas, concebido
sem prévia definição de lugar ou enquadramento. É construído com reduzidas alterações
apesar do lote de terreno não apresentar as configurações pré-estabelecidas no
projecto inicial. Apesar desta atitude projectual “moderna”, a estética
"tradicionalista" de cariz neo-conservador atravessará toda a década
de 30 do séc. XX, consolidando-se posteriormente em torno de si uma discussão
ao nível de uma doutrina pro-regionalista sustentada mais visivelmente por Raul
Lino nas suas “Casas Portuguesas” de 1933. Está estética vinga e consolida-se
com o Estado Novo. Apesar da conjuntura e a estória em torno da sua construção,
a casa Florida, mais conhecida por casa EVA, acaba por se revelar como um dos edifícios
mais interessantes do “modernismo” fundanense sustentado por outras obras de
Carlos Ramos, Eduardo Paiva Lopes ou Pires Branco.
Nós, os da arquitectura social
Por estes dias, o
panorama social e económico oferece uma difícil realidade para todos aqueles
que vivem e sobrevivem da arquitectura, como de pão para a boca. Muito se fala
da emigração obrigatória para quem ainda procura continuar a viver das plantas
e das maquetas ou da opção na senda de outros caminhos, diametralmente opostos,
para os desanimados com a realidade da própria profissão. As dificuldades na
construção, com a consequente diminuição da encomenda, permitiu deixar o
elevado número de profissionais no território nacional desalojados de trabalho
e perspectivas. Perante este cenário, acresce mais um factor descuidado pela
opinião pública e mais propriamente pela própria classe: a dificuldade em
perceber no seio dos arquitectos que os mesmos, perante a ambição da autoria,
não conseguiram entender que era na associação e na criação de grandes
escritórios de associados que estava o caminho para o sucesso. Por outro lado,
o ensino das últimas décadas, alicerçado por professores na sua maioria com
escritórios próprios, estruturou profundamente o pensamento dos alunos nesse
anseio da arquitectura de autor.
A dificuldade na
associação não se encontra nesta nova geração que face às dificuldades teve de
reconhecer e enveredar por este caminho. Dos arquitectos não emigrantes
sobrevivem por cá: os “agarrados” ao ensino, os com ancoras à encomenda
estrangeira em particular das Áfricas, os que em boa hora se associaram e
criaram forças suplementares ou os que se reinventaram dentro do universo da
arquitectura.
Quando se fala em
reinventar, não passa obrigatoriamente por encontrar novos caminhos fora da
profissão. Sou crente que a nossa formação nos apetrechou de uma série de
ferramentas que nos permitem descobrir fórmulas para desenvolver trabalho fora
do espaço do escritório em áreas como a cenografia, curadoria, gestão cultural,
desenvolvimento de projectos expositivos, pedagogia, divulgação cultural,
ilustração, organização de eventos, elaboração de artes aplicadas, de
certificação energética, avaliação imobiliária, consultoria, gestão de obra,
topografia, entre outras… ou até mesmo o desenvolvimento de projectos sociais
das mais diversas naturezas. A exposição Tanto Mar, actualmente patente no
Centro Cultural de Belém, revela na sua génese uma panóplia de intervenções em
todo o mundo com forte carácter social. Algumas das intervenções são
desenvolvidas por escritórios sediados em território nacional, outras providas
das dificuldades de quem teve de emigrar para se sustentar, contudo encontrou
nessa nova realidade espaço e oportunidade para desenvolver projectos (não
obrigatoriamente de arquitectura) comungando com as comunidades locais um
futuro mais risonho.
Temos de encarar
este futuro incerto numa perspectiva aberta, sem esperar que uma Ordem, muito
pouco musculada, possa ser auxílio ou que governantes possam instruir alavancas
no universo da construção. Perante este cenário, se ao leitor enquanto
arquitecto este discurso soar a ridículo e desprovido de contexto ou de senso
na realidade, carpe diem!
19/02/14
As roças de São Tomé e o Café
A investigação, agora publicada, de Rodrigo
Rebelo de Andrade e Duarte
Pape, talvez seja a mais
interessante novidade editorial dentro da esfera da arquitectura. O que mais
surpreende nesta aposta é a forma como o trabalho de investigação foi
“manipulado”, se por um lado a editora não deixou de transformar o estudo dos
dois arquitectos num valioso instrumento de trabalho para estudantes e
arquitectos, por outro proporciona aos amantes de África e da história colonial
portuguesa um binóculo sobre o arquipélago. Esta abordagem agora publicada,
assume uma rotura com o universo de publicações antes produzido sobre a arquitectura
luso-colonial africana quase exclusivo a Angola e Moçambique. Territórios como
Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe apesar das incursões de Ana Vaz
Milheiro e Eduardo Costa Dias, ainda estão por descobrir. Este documento mais
do que um inventário, tal como assumem os autores no seu sexto capitulo, é
fundamentalmente um enquadramento do café no arquipélago e em toda a orgânica
tipológica e programática neste contexto social gerado em torno desta
“especiaria”. As roças no seu edificado representam uma época auspiciosa de um
legado desenvolvido com diversidade formal e de escolha acertada dos materiais
no desenvolvimento da construção. Para além dos 122 exemplos identificados, o
enquadramento geográfico explanado permite uma leitura num perfil historicista
mais adequado às relações sociais e económicas ali desenvolvidas. Perante um
património pouco preservado e sem qualquer cuidado governamental, os autores
perspectivam o caminho a travar, apostando fundamentalmente em processos de
recuperação e preservação da riqueza patrimonial encontrada. Publicação de
leitura fácil e de valor incomensurável não só pela descoberta de tão
“distante” e valioso património como pela consubstanciação de um extraordinário
legado fotográfico do arquitecto e fotógrafo Francisco Nogueira. Assumo paralelamente a mesma perspectiva de
José Manuel Fernandes no seu prefácio, onde menciona que esta obra representa o
estudo editado “mais aprofundado, inovador, esclarecido e polifacetado” sobre o
tema das roças em São Tomé e Príncipe. Para o leitor-arquitecto fica a faltar o
registo técnico detalhado ou levantamento circunstancial ajustado às suas
expectativas. A estrutura e beleza das “Roças de São Tomé e Princípe”,
permite-nos a espera por mais um degrau na investigação, posteriormente com a
coordenação de José Manuel Fernandes neste belíssimo trabalho conjunto de três
jovens arquitectos da geração que agora emigra.
24/01/14
Adequar, projectando para a contemporaneidade
Quando falamos de reabilitação ou até mesmo de reconstrução, rapidamente
nos salta à memória o complexo programa de “Modernização das Escolas do Ensino
Secundário” que tanta tinta fez correr na comunicação social pelas mais
diversas razões e enquadramentos. Contudo, apesar de todas as suas
vicissitudes, podemos considera-lo, talvez o mais importante exemplo de
reabilitação em grande escala que se desenvolveu no nosso país. A escolha
directa pelo Parque Escolar, dos gabinetes projectistas que iriam pensar as
novas intervenções possibilitou a introdução de estratégias projectuais
diferenciadas muito pelo percurso de cada gabinete. A negação da solução
imediata de deitar a abaixo e erguer de novo permitiu e obrigou ao
desenvolvimento de estratégias de reorganização funcional, ajustamento dos
espaços exteriores com permeabilidades com áreas de reunião e convívio ou até
mesmo na definição de frentes urbanas (o caso da escola D. Pedro V em Lisboa pelas mãos do arquitecto Ricardo Back Gordon) com base em processos
fundamentalmente de adição com base em regras clássicas. A dificuldade em
pensar a reabilitação do edificado com as escolas em funcionamento foi exigente
para os gabinetes projectistas na medida em que, apesar das dificuldades
inerentes, conseguiram na sua generalidade promover opções estéticas cuidadas e
apropriadas na ligação e enquadramento do antigo com o novo. É nesta relação
que se encontram os exemplos mais felizes nomeadamente a escola Secundária D.
Dinis pela equipa do ateliê de Ricardo Back Gordon ou a Escola Secundária Josefa de
Óbidos pelo Atelier Central do arquitecto José Martinez e arquitecto Miguel Beleza. Muito para
além das opções estéticas, na grande maioria dos casos, as preocupações do
ponto de vista ambiental foram tidas em linha de conta, conseguindo promover
desempenhos energéticos controlados e adequados à realidade de cada contexto e
população residente. Estas novas valências energéticas com a introdução de
energias alternativas permitem, hoje, qualificar o antigo com valências
equiparáveis a novos equipamentos escolares alinhados por normativas europeias.
Com estas soluções integradas ao nível das novas ampliações, desenhos urbanos
entre o novo e o antigo e adequabilidade dos sistemas energéticos integrados, possibilita-nos
assumir o Programa para a reabilitação do Parque Escolar com edifícios
construídos nas mais diversas décadas do séc. XX,
enquanto o motor fundamental na valorização do todo, colocando o aluno como
personagem principal neste novo contexto escolar. Na análise dos diversos
exemplos que hoje temos em mãos percebe-se o diálogo estabelecido entre os vários
intervenientes no processo: arquitecto e engenheiros, o Parque Escolar e as Escolas
na procura das melhores alternativas e promovendo agora, um caderno de encargos
para a promoção de boas práticas na reabilitação de edifícios públicos.
07/01/14
Charters de Almeida: Cartografias, abstração da forma no confronto com o urbano
“... Naquele império, a Arte da
Cartografia atingiu tal perfeição que o Mapa de uma só Província ocupava toda a
Cidade e o Mapa do Império toda a Província. Com o tempo, estes Mapas
desmesurados não satisfizeram e os Colégios de Cartógrafos levantaram um Mapa
do Império e coincidia pontualmente com ele…” (1)
Neste excerto de citação que Jorge Luis Borges vai recuperar às Viajes de Varones Prudentes de Suárez Miranda de 1658, intitulando-o de “Rigor da Ciência”, residem quatro ideias fundamentais do processo criativo de Charters de Almeida: a Cartografia (espaço), os Mapas (síntese), a Cidade (arquitectura) e o Tempo. Na conjugação da complexidade destes temas através da sublime expressão concilia os cosmos nas suas diferentes escalas. Aí reside o talento. Com base na mensuração da distancia reconhece a cidade enquanto contexto de geometrias de riqueza humana, onde a urbe faz mais sentido. Neste esquema de leitura de dentro para fora Charters de Almeida posiciona-se perante o “mundo” adequando as suas lógicas escultóricas em potenciais referencias introdutórias de uma nova realidade. Aqui redefine o espaço, orienta o sujeito numa nova perspectiva urbana. A imposição é assumida mas o lugar respeita-a, opina mas não transgride, reage e constrói O horizonte é lançado para novos limites originais da nova cartografia. Desenham-se novos mapas redefine-se a cidade.
As “peças” pela sua natureza reagem na potência em contextos que o permitem, no entanto é na escassez de recursos que estas elevam a força da sua expressão. Quando Charters de Almeida afirma: «Procuro dizer o mais que posso com o menos possível de elementos», apesar da afirmação se elevar aparentemente contraditória na relação imediata da escala, contudo é na distância e no macro reconhecimento da cidade que o gesto assume a síntese e clarividência.
A abstracção da forma no
confronto com o urbano origina novos conceitos, a matéria e a cor mutam-se,
aclarando a envolvente onde “modulor” é humano e governador da geometria.
Texturas, superfícies e volumes são humanas na diferença como Espiga Pinto
refere, «a geometria está em nós, nos nossos gestos, na nossa mente e na
arquitectura do universo».
A cidade matérica
expressão urbana da convivência humana, é um emaranhado de realidades com recursos
ilimitados conduzidos essencialmente no tacto e na visão. Charter de Almeida
confronta o ruído diário com uma perspectiva luminosa e fracturante. As lógicas
conjugadas diariamente, no confronto, redesenham-se em geometrias puras e
radiosas, oferecendo algo mais além. Este percurso que
atravessa o antes para o imediato ou um empolgante depois. É essencial na
descoberta da obra. O lugar é assumido e construído no inconsciente despontando
a ideia do depois na retaguarda do antes. A integração é total. A transparência
não é matérica, mas expressiva. O tempo dirige uma certa neutralidade clássica
ou naturalidade. O sítio funda-se e o lugar renasce com raízes ancestrais. Só uma consciência
sensível poderia encontrar na negação do monumento a possibilidade de
construção de uma dimensão maior à escala da praça. O posicionamento
referencial é instruído da negação de ostentação, colonizando consequentemente
o lugar. Charters de Almeida
proporciona-nos uma abertura empolgante à cidade devolvendo-nos a proximidade
através da distância e discrição aparente. É talvez nas variadas contradições
que constrói riqueza urbana e desenvoltura estética difícil de obter em
territórios acidentados de acasos e imposições.
Falámos sempre de cidade,
a escultura diluiu-se, cartografou-se...
12/12/13
Corbusier e a Luz de Siza
Sabiamente Le Corbusier em 1923 definiu no seu livro “vers une
architecture” a arquitectura enquanto “le jeu, savant, correct et magnifique
des volumes sous la lumière.” Se existe alguém que tenha percebido o verdadeiro
sentido desta frase e explorando-o na sua plenitude, é sem dúvida Alvaro Siza
Vieira. A percepção da envolvente e o trabalho com os pontos cardeais são
primordiais na desenvoltura da sua metodologia projectual! Perante a
problemática do lugar, a luz, não é o fim na construção das espacialidades
interiores, na media em que o jogo das sombras exteriores é mecanismo de
hierarquização quando o edifício se debruça sobre o território. Desde as suas
primeiras obras se observa uma capacidade aditiva onde o domínio do pormenor
impera, não é na soma das partes que se lê o conjunto no pressuposto que a
complexidade da sua obra se enjeita para além do poder criativo, no
desenvolvimento da relação formal-espacial. As formas, os espaços, os detalhes
e a luz vivem e sobrevivem, na duplicidade do confronto e da adição, numa
autonomia harmoniosa e sem complexos. Aqui se eleva a diferença do seu
estatuto, Siza, tal como Reyner Banham refere em “Le brutalisme en
Architecture” determina a luz natural para uma espacialidade expressa numa
imagem arquitectónica sem semelhante, proporcionando um habitar para um lugar
neste tempo preciso. Fernando Távora chega a afirmar em 1947 que “tudo há que
refazer, começando pelo princípio”, entendendo que se deveria olhar para o
passado e para a arquitectura genuinamente portuguesa desenvolvida pelas mãos
da tradição e do saber falado. Perante este estreito dilema, jovens arquitectos
à época desenvolvem um caminho sustentado em um novo vocabulário que sintetiza
as necessidades habitacionais de época e traduzem uma humana Portugalidade na
multiplicidade das suas relações. Apesar deste registo, a obra de Siza permite
a desenvoltura de uma complexidade alicerçada num percurso imprevisível que
permite que cada obra seja autónoma apesar de ser mais uma peça numa obra
continua e sem interrupções. A continuidade detectada é garantida por uma
postura e por um não formalismo que transforma o real em objecto de projecto,
conduzindo a proposta à essência primeira do lugar. A luz persiste, mas agora
sobre volumetrias que constroem a paisagem através de “um trabalho modesto,
cauteloso”. Tal como Siza afirma relativamente à tradição, ele mesmo se
transporta de baixo da luz por entre “conflitos, compromissos, mestiçagem e
transformação.”
11/12/13
Nadir Afonso - da intuição artística ao raciocinínio estético
@ nadir afonso
Arquitecto e pintor, no mundo
Nadir em
todos os sentidos assume-se a excepção à regra, onde como ele, são poucos os
exemplos no panorama artístico português que tenham conseguido produzir tão profunda
criação teórica aliada a uma profícua e almejada prática de atelier. A
totalidade da sua obra não reflecte academismo institucional ou identidades
reflexo de outros, a sua singularidade é verdade na sua intemporalidade
identitária. Perfil demonstrado com clareza nos escritos que desde sempre
retalhou no papel e fez questão de publicar. Talvez na sua obra escrita, se
encontre a totalidade da sua obra, onde o pensamento é explanado na palavra e
encerrado posteriormente na fluidez do traço. È nesta experiencia que Nadir se
sente comprometido na procura do primado do carácter fenomenológico. Onde a
geometria do universo e a sua cosmogonia são enceto para a justificação da sua
obra. Entendendo a via entre o homem e objecto, entidade própria, geradora da
alteração do “significado qualitativo dos objectos” para a “expressão
quantitativa dos espaços”. Assume por um lado que a redução fenomenológica
coloca em suspenso o conhecimento das coisas do mundo exterior a fim de
concentrar-se o individuo exclusivamente na experiência em foco, por outro lado
“o objecto existe sem o sujeito, mas não é dado sem a actividade do sujeito”. Arroga
assim em obras anteriores que esta relação é uma entidade em si, e aqui dá
lugar ao papel da intuição artística, onde acorda a geometria como alicerce no
entendimento da significância entre o mundo e a consciência. A imutabilidade e
eterna harmonia adquirem consciência no raciocínio estético, adquirindo a
geometria um papel orientador sendo legitimada por Pitágoras, a sua verdade. O
que procura na sua essência, são as qualidades da perfeição, aquando da sua
aproximação limite revela-se a harmonia. Se a geometria de Pitágoras alimentava
o encanto duradouro para a perfeição de Marx, Nadir defende o sentido da
harmonia alicerçado nas leis imutáveis da geometria. Aqui reside a essência da
obra de Nadir, numa depurada clarividência na expressão do pensamento
complementa uma obra artística, e agora, na densa espessura da escrita “da
intuição artística ao raciocínio estético”.
03/12/13
Livro: As Roças de São Tomé e Príncipe
As Roças de São Tomé e Príncipe, estudo
e investigação de Rodrigo Rebelo de Andrade e Duarte Pape, talvez seja neste
final de ano, a mais interessante novidade editorial nacional dentro da esfera
da arquitectura. O que mais surpreende nesta aposta da Tinta da China é a forma
como a investigação foi “manipulada”, se por um lado a editora não deixou de
transformar o estudo dos dois talentosos investigadores e arquitectos num valioso
instrumento de estudo para estudantes e arquitectos, por outro proporcionou ao
leitor um binóculo sobre o arquipélago para amantes de África e da história
colonial portuguesa. Perante esta publicação percebe-se que procura ocupar um
espaço que outras editoras especializadas, vão descurando e trabalhando com
pouca convicção e sentido. Em 2010 com “Moderno Tropical – Arquitectura em Angolae Moçambique, 1948-1975” de Ana Magalhães e Inês Gonçalves reconhecia-se um
atrevimento arriscado, confrontados com esta obra, somos a anuir determinação e escolha
acertada, iniciando um processo interno, de construção de uma “estante”
editorial que versa a arquitectura.
O trabalho apresentado por Rodrigo Rebelo de Andrade e Duarte Pape vem ao encontro de uma necessidade latente nas publicações
de investigação sobre arquitectura colonial, onde figuras como José Manuel Fernandes
em “Geração Africana”, de Livros Horizonte, “África - Arquitectura e Urbanismo de
Matriz Portuguesa” e “Arquitectura e Urbanismo na África” das edições Caleidoscópio;
Ana Vaz Milheiro em “Guiné-Bissau, 2011” da Circo de Ideias e “Os Trópicos sem
Le Corbusier” da Relógio D´Água; ou Miguel Santiago num registo mais
monográfico sobre “Pancho Guedes – Metamorfoses Espaciais” da Caleidoscópio, têm
vindo a promover, entre outros, a noção de que a arquitectura de raiz
portuguesa apesar de amplo e merecido estudo ainda é por nós, desconhecida. Esta
abordagem agora publicada assume uma rotura com o universo de publicações antes
produzido sobre a arquitectura luso-colonial africana, quase exclusivo ao
território Angolano e Moçambicano. Territórios como Cabo Verde, Guiné-Bissau e
São Tomé e Príncipe estão por descobrir apesar das incursões de Ana Vaz
Milheiro e Eduardo Costa Dias essencialmente sobre o séc. XX guineense e cabo-verdiano
e sobre o interessante e importante trabalho desenvolvido pelos gabinetes de
urbanização colonial entre 1944 e 1974.
Mais do que um inventário, tal como
assumem os autores no sexto capitulo, é fundamentalmente um enquadramento do
café no arquipélago e toda a orgânica tipológica e programática por detrás de
um contexto social gerado em torno desta cultura. As roças no seu edificado representam
uma época auspiciosa de um legado desenvolvido com diversidade formal e de escolha acertada dos materiais no desenvolvimento da construção. Para além dos 122
exemplos identificados, o enquadramento geográfico explanado permite uma
leitura num perfil historicista mais adequado às relações sociais e económicas ali
desenvolvidas. Perante um património pouco preservado e sem qualquer cuidado
governamental, mais à frente, os autores perspectivam o caminho a travar,
apostando fundamentalmente em processos de recuperação e preservação da riqueza
patrimonial encontrada.
Publicação de leitura fácil e de valor incomensurável
não só pela descoberta de tão “distante” e valioso património como pela
consubstanciação de um extraordinário legado fotográfico do jovem arquitecto e
fotografo Francisco Nogueira que permite ao leitor viajar sem comprar bilhete. Assumindo
a mesma perspectiva de José Manuel Fernandes no seu prefácio, esta obra
representa o estudo editado “mais aprofundado, inovador, esclarecido e
polifacetado” sobre o tema das roças em São Tomé e Príncipe. Para o leitor arquitecto
fica a faltar o registo técnico detalhado ou levantamento circunstancial ajustado
às suas expectativas, contudo a estrutura e beleza da obra que Tinta da China
nos presenteia, permite-nos a espera por mais um degrau na investigação, posteriormente com a coordenação
de José Manuel Fernandes neste belíssimo trabalho conjunto de três jovens
arquitectos da geração que agora emigra.
1.ª edição: Outubro de 2013
n.º de páginas: 240
isbn: 978‑989‑671‑175‑7
12/11/13
Supermodernos
O Movimento Moderno, força destemida com leme de betão foi domesticada pelo capital e lógicas financeiras após a Grande Guerra, dilui-se na estética e assumiu um papel de protagonista nas questões “mais sociais”. Já o chamado pós-modernismo através do contextualismo, adquire expressão que avança mais tarde para o descontrutivismo filosófico de Derrida, Deleuze e companheiros. Esta “evolução” da “condição” moderna é hoje assumida por muitos como uma era supermoderna, onde os lugares deram vez aos “não lugares” de Marc Áuge. Com a velocidade que as sociedades actuais imprimem nas suas dinâmicas internas, o “lugar” historicista e enraizado no contexto do pós-modernsmo transformou-se através da maior mobilidade, do bombardeamento de signos e informações e na produção de elevados níveis de anonimato nos espaços públicos. Deste modo os não lugares assumem-se como auto-redomas relativamente à localização, envolvente e por outro lado extremamente permeáveis aos diferentes usos e lógicas ligadas às redes de informação e interesses económicos dos quais, cada vez mais, são fatia importante. A actual percepção de lugar e uso do espaço é consideravelmente diferente do final do séc. XX pelo incremento do comércio mundial e do expansionismo que a “net” permitiu na disponibilidade e obtenção de informação.
Como Ibelings afirma, agora o “mundo tornou-se menor e, ao mesmo tempo, maior”, na exacta medida em que, por um lado, a facilidade na difusão da informação na “rede” tornou o mundo mais pequeno, por outro lado a actual possibilidade de comunicação e interacção de indivíduos que anteriormente pela distância espacial não lhes seria possível interagir, torna o mundo maior.
Perante os flashes da ribalta a actual arquitectura distancia-se da era pós-moderna através de vontades tecnocráticas que procuram uma resposta ao livre capital das cidades cosmopolitas e necessidades das empresas. Esta arquitectura que se coloca ao serviço da modernização, como parte do processo económico apresenta-se livre de qualquer justificação social de apoio ou assistência. O paradigma terá de mudar em resposta ao esvaziamento do conceito económico do continente europeu e americano e como solução para
estruturar o desenvolvimento dos países do continente africano e asiático.Moçambique e José Forjaz
O regime ditatorial foi determinante no percurso da sociedade portuguesa no principio do séc.XX, tendo uma forte presença na pedagogia da arquitectura durante este período. A politica da encomenda proporcionou obras de grande envergadura e emblemáticas para a época em alguns dos casos. No entanto o advento do modernismo, através dos CIAM e com algumas influencias modernistas brasileiras, proporcionou que ao pouco dinâmico imaginário formal imperial, um novo caminho através das novas gerações de 40. No caso concreto de Maputo, “Pancho Guedes” é a maior referencia e talvez a obra que marca de forma indelével a paisagem da cidade pela sua excentricidade relativamente ás convenções de época. Contudo depois da independência em 75, este ritmo esmorece e a qualidade arquitectónica da antiga Lourenço Marques abranda. As objectivas das publicações da especialidade deixam de estar viradas para África apesar de algumas personagens de relevo continuarem na sua senda de mérito. Um dos maiores exemplos é José Forjaz, com a pacificação do território, constitui uma obra interessante e consubstanciada na observação do território moçambicano (lugar e paisagem), nas lógicas construtivas vernaculares, nas orgânicas tipológicas e fundamentalmente nos valores do lugar e do grupo social onde está inserido.
José Forjaz nas duas ultimas
décadas produziu uma obra no território moçambicano talvez pouco revisitada e
analisada pela critica. Obra complexa que abrange os mais diversificados
programas e níveis de escala, nomeadamente edifícios residenciais, públicos,
religiosos, escolas ou monumentos. Com um percurso que pisa territórios
influenciados por Barragan ou Charles Correa contudo a formação portuguesa não
o inibe de beber do imaginário modernista brasileiro. Apresenta uma abordagem
ao lugar e programa proposto de uma extrema sensibilidade e reconhecimento da
envolvente quer na escolha dos materiais e sua conjugação, quer no controlo da
luz e condução da mesma na definição de hierarquias. A economia de recursos é
utilizada numa inversão exponencial à sua capacidade de produção de
complexidade espacial como são exemplos disso a Escola profissional dos
Salasianos de Matundo ou a Residência Torcato em Maputo.
O Mosteiro das Clarissas em
Namaacha, a residência João Pó e a
Astrid Fion em Maputo são três obras determinantes na definição do
perfil do arquitecto que produz uma obra que marcará de forma indelével o
território moçambicano. Com um profundo enraizamento na cultura moçambicana,
José Forjaz define actualmente um relevante caminho no panorama arquitectónico
africano, como diria Mia Couto, “é para isso que servem os caminhos, para nos
fazerem parentes do futuro”.
24/10/13
Bambadinca, Guiné-Bissau
Recentemente realizei uma viajem à Guiné-Bissau, mais propriamente à capital Bissau e a Bambadinca, onde acompanhei a construção de um projecto de arquitectura em co-autoria com o atelier do qual sou coordenador. O projecto na sua génese é uma central fotovoltaica híbrida que pretende fornecer energia eléctrica à totalidade da vila de Bambadinca com aproximadamente sete mil habitantes. Perante uma realidade da construção tão distante do panorama ocidental em todas as suas vertentes: clima, qualidade construtiva, qualificação da mão-de-obra e técnicos especializados, acesso aos materiais e tecnologias de apoio, só através de processos criativos se poderão propor soluções de controlo ambiental e das águas das chuvas que correspondam correctamente às exigências da região. Agora se entende, a quando da realização do documentário de Catarina Alves Costa “o arquitecto e a cidade velha”, que o arquitecto Álvaro Siza Vieira questione um dos habitantes locais, se seria necessária, após a remodelação da sua habitação, a colocação de vidros nas janelas! Esta observação não foi de todo descabida quando confrontado com a natureza das habitações a que se propunha recuperar e correspondente clima que se ajustava à Cidade Velha da ilha de Santiago em Cabo Verde. O clima africano a isso obriga e determinada que as soluções tenham de ser obrigatoriamente consentâneas com a realidade envolvente, não permitindo imposições de sistemas de climatização dispendiosos ou vulgarmente aplicados no continente europeu. A observação e análise da natureza das construções da região permitiu-nos desenvolver uma proposta que se adapta às condições climatéricas da zona e às exigentes especificações técnicas das baterias de apoio aos painéis solares. Nessa medida todo o edifício recorre a sistemas de ventilação passiva com soluções baseadas nas construções vernaculares das tabancas locais. Construção com perfurações generosas, ao nível do piso térreo nas orientações mais ventosas, permitindo ventilação cruzada em todo o edifício. A cobertura é construída em suspensão das paredes periféricas num misto de chapa metálico e palha local, garantindo a integração das novas soluções construtivas com as praticadas desde os primórdios! Soluções ajustadas à realidade económica e sem necessidade de manutenção constante, garantido um comportamento térmico eficiente à totalidade do edifício. Neste sentido importa ressalvar o papel do arquitecto nas tomadas de posição sobre esta problemática. Mais do que implementar soluções correntes às quais está amplamente familiarizado, deverá interpretar os sinais do local onde irá implementar a proposta projectual para que na exacta medida possa desenvolver processos que permitam ao edifício revelar um desempenho energético ajustado à realidade climatérica da zona onde está inserido.
16/09/13
A construção e a Vida
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